3.5.09

Terra de quem?

Por Nuno Brederode Santos
CONHECI-LHE O VIÇO, o rubor natural e as formas generosas. Não de ser moça, pois bem mais moço era eu. Mas por respirar segurança, convicção, civilidade. Agora, que tão raramente a vejo, está magrinha. Parece que o mundo exterior a aperta e lhe traça, rente à pele, uma fronteira intransponível. Um mundo exterior povoado, não só por políticos, mas por todo o tipo de agentes de intervenção política. Um mundo que, dia após dia, a vai comprimindo mais. É a tolerância, mãe e filha de uma revolução que se fez libertadora e que tantos intolerantes acabam de celebrar. Uma criatura cultural e cívica que se conforma e vai minguando, a cada proclamação veemente de que o acto e a palavra do outro nos são “intoleráveis”. Não receio que se extinga. Desde logo, porque um dos seus mais firmes redutos defensivos está no próprio intolerante, que tem de a usar – e sempre a usa com largueza – para consigo mesmo. Depois, porque na intolerância habita o medo e a impotência: só não tolera quem não consegue impedir. Enfim, porque nem a pior tirania conseguiu a proeza de mergulhar tão fundo na alma de todos os homens. Mas, pese embora a tudo isto, é também certo que se vai tornando difícil aos que a prezam virem a merecer o epitáfio: “viveu entre intolerantes e nem assim conheceu o intolerável”. Porque a última legítima defesa da tolerância continua a residir em não tolerar a intolerância. (...)
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