1.1.10

As virtudes do silêncio

Por Joaquim Letria

DESDE QUE A IGREJA ACABOU com a solene cultura do latim que a qualidade oratória dos seus sacerdotes se despenhou de tal modo que hoje, quase 50 anos depois, se mantém uma imparável trajectória descendente. Os grandes pregadores de outros tempos brilham pela ausência. Os sermões raramente são atractivos.
A sublime colaboração da música sacra deixou de ser desejada e estimada e os coros e os órgãos de sons majestosos foram condenados ao silêncio, quanto muito, cedendo lugar a umas infelizes guitarras paroquiais.

Deus é omnipresente, mas chega melhor e está com outra profundidade na companhia de Haendel, Mozart e Schubert. O sacerdote não pode ser tu cá, tu lá, com os fiéis, porque cada um tem o seu papel e a respectiva marcação. A distância está certa e é desejável.

Sem a boa música nem a riqueza da palavra, a Igreja devia dar-se mais às virtudes do silêncio, que tem a sua própria grandiosidade. Antes a reflexão profunda e a oração sentida do que a falsa alegria pimba da ilusória camaradagem jovem.
Tenho saudades dum serviço religioso com a palavra justa e a voz medida dum sacerdote que nos prenda a cada homilia.
«24 horas» de 1 de Janeiro de 2010

Etiquetas:

3 Comments:

Blogger Pi-Erre said...

Sim, mas... e quem entende o latim?

1 de janeiro de 2010 às 17:13  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Dantes, as missas eram todas ditas em latim. Depois do Concílio Vaticano II (salvo erro), passaram a ser ditas na língua do país. Actualmente, pode usar-se uma ou outra.
-
Mas há uma questão muito interessante, associada a isso:
Até que ponto é que é mais importante "o que se diz" ou "o ritual" (neste caso baseado em palavras incompreensíveis para o vulgo, mas que soam bem)?

Eça deu a sua opinião na Carta de Fradique Mendes a Guerra Junqueiro, e que pode ser lida [aqui].

1 de janeiro de 2010 às 19:04  
Blogger António Viriato said...

Tem razão no que à obsessão generalizada com a modernidade respeita, até por parte de quem não lhe julgaríamos vulnerável, a Igreja, a Católica, no caso.

Num compromisso, a homilia poderia ser dada em vernáculo e as fórmulas da liturgia, curtas e facilmente apreensíveis, em Latim. Assim, talvez se mantivesse um pequeno laço com a língua-mãe da cristandade e da sua cultura matricial, a romana.

Os cânticos e o uso do órgão também concorreriam para perpetuar a nobreza de uma prática religiosa, associada a uma cultura de maior elevação estética e espiritual.

Mas que fazer, quando os próprios religiosos embarcam na ilusão do popularucho, que, contrariamente ao que esperariam, não lhes tem aumentado os auditórios, nem o fervor da fé antiga ?

A Igreja conciliada com a desmiolada modernidade é a sua ruína garantida, eventualmente lenta, mas inexoravelmente declinante, até à inanição final.

Estranho que um arguto intelectual, como Ratzinger, não se empenhe mais em contrariar esta progressiva degenerescência da religião cristã, católica, no caso, por ser a mais expressiva, no plano religioso, como no da cultura que, conjuntamente com a contribuição judaica, foi a base da civilização ocidental, tão vilipendiada pelos supostos vanguardistas do Ocidente, como sobrevalorizada, na sua emulação, pelo logro das alternativas que os ditos vanguardistas obsessiva e adoradamente engendraram, nas suas fabricações políticas.

Bom início de Ano, para o jornalista Joaquim Letria e, em geral, para os que aqui passam

1 de janeiro de 2010 às 19:16  

Enviar um comentário

<< Home