5.5.11

Honor

Por João Paulo Guerra

O DERRADEIRO director da PIDE/DGS, major Silva Pais, que ocupou o cargo ao longo de doze anos, tinha dissimulado na sua secretária um gravador de som, no qual registava conversas com interlocutores, internos e externos, chamados ao seu gabinete. Nos idos de 1974 ou 75, na qualidade de jornalista, tive acesso à audição de cópias de duas ou três fitas gravadas por Silva Pais, sem aviso aos seus interlocutores, e retenho, em particular, uma conversa com o industrial Manuel Vinhas.

Vinhas era um empresário um pouco desalinhado para o gosto do regime, para mais protector das artes e até de alguns artistas contestatários. Mas as piores suspeitas do regime salazarista, e da sua tenebrosa polícia política, residiam na posição de Manuel Vinhas quanto a Angola. O empresário investira em Angola inicialmente no sector das bebidas, ramo ao qual estava tradicionalmente ligado, e depois em outros sectores. O pior foi quando se aventurou na comunicação social - através de investimentos nas empresas da revista Notícia e do Comércio de Luanda -, capaz de lhe dar uma projecção da qual o regime desconfiava e temia. Como habitualmente fazia em relação a figuras desafectas, o regime lançou uma campanha difamatória contra o empresário: um jornal oficioso apodou o empresário de «colaborador com os terroristas». De seguida, Vinhas foi convocada ao gabinete de Silva Pais. A conversa gravada era um chorrilho de ameaças e chantagens, mais ou menos veladas. E dava para concluir sobre quem mais poderio detinha, entre o poder económico de Manuel Vinhas e o poder policial do director da PIDE.

Lembrei-me deste episódio pelo facto de cidadãos estarem a ser julgados por supostamente «mancharem a honorabilidade» do director da PIDE através de uma peça de teatro.
«DE» de 5 Mai 11

Etiquetas: ,