22.6.11

As incógnitas que nos esperam

Por Baptista-Bastos

PEDRO Passos Coelho não enganou ninguém. Ao longo dos meses foi dizendo ao que vinha. E até publicou um livro, no qual revelava o essencial do que queria para o País. A lógica na qual repousa o seu projecto assenta na ideia de que a sociedade portuguesa e o mundo só conseguirão sobreviver se o Estado for reduzido, ou mesmo removido, e os "privados", o "mercado", a "competição" tomarem o seu lugar. É um empreendimento demolidor. Não substitui o paradigma sob o qual temos vivido: liquida-o; e a alternativa é uma incógnita, pois nem sequer no-lo é proposta. Esta ausência de programa e a profusão de declarações produzidas, algumas insensatas, outras decisivamente tolas, não impediram os portugueses de votar no PSD de Passos Coelho.

Procura-se as razões que os levaram a proceder assim. Estavam exaustos com Sócrates, eis uma explicação. Seja como for, o PS foi escorraçado do poder; e um novo "ciclo", parece que redutor de incertezas, surge com uma outra moral e outra filosofia. Um novo plano de regras irá surgir. Pedro Passos Coelho, peremptório, ambiciona ir mais longe do que as exigências da tróica. Mas Passos sempre falou de mais, para, a seguir, se desdizer e remendar o que disse, ou fazer com que Miguel Relvas vá corrigir o soneto.

As coisas não vão ser um mar de rosas para o Governo. E a "coligação" não é tão sólida quanto os sorrisos aparentam. A não-aceitação de Fernando Nobre para presidente da Assembleia da República constitui uma humilhação para o médico e uma derrota política e pessoal para Passos Coelho. Ficou claro que os diferendos que opõem PSD ao CDS repousam num modelo de decisões e de poder que não corresponde à amabilidade dos abraços. Os atritos emergirão. Tanto mais que a obstinação de Passos é gémea da obstinação de Portas. O inevitável medir de forças, tão ao gosto do presidente do CDS, vai esclarecer-nos sobre o equilíbrio que se tenta estabelecer entre as diferentes componentes desta "associação" de opostos.

A composição do Governo é, aliás, engraçadíssima. O número foi abreviado. Não se sabe bem para quê: há ministros sobrecarregados de pastas, cujas funções não possuem relação entre si. A barafunda não corresponde a nenhuma situação particular e vai exigir um dispêndio de energias e um conjunto de decisões acrescidas cujo sentido nos parece absurdo e abstruso.

Aceite o que se verifica e regista, expostas as fissuras existentes num corpo desejadamente coeso, esquecidos os sorrisos e os abraços, logo-assim a poalha pirotécnica desapareça, as coisas retomarão a sua densidade e os problemas as suas exactas dimensões. Os representantes da tróica tocam-nos no batente de três em três meses, no varejo que acautela o dinheiro dos empréstimos. Que ninguém conte com a solidariedade europeia. É uma fraude e uma farsa.
«DN» de 22 Jun 11

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