12.1.12

Confusão

Por João Paulo Guerra

NÃO ESPEREI, com toda a sinceridade, que o Governo não aguardasse nem sequer 24 horas para confirmar o que aqui escrevi terça-feira para ser publicado na quarta: que o poder muda com muita frequência de ideias quanto à contenção do défice e à necessidade de medidas adicionais de austeridade.

Em cima do acontecimento estabeleceu-se animada discussão cruzada, indirecta, entre o ministro das Finanças e o governador do Banco de Portugal. A discussão, por entre eufemismos e hipérboles, apóstrofes e circunlóquios, resume-se simplesmente ao seguinte: a austeridade causando a recessão vai exigir austeridade adicional para que haja ainda mais recessão o que implica ainda mais austeridade, etc.?

As coisas não estão a correr bem. Reina mesmo uma grande confusão. Os patrões rejeitam a meia hora de trabalho a mais receitada aos trabalhadores pelo Governo. Juristas duvidam da eficácia da lei das rendas. E tribunais começaram a desmoronar o edifício de suspeitíssima legalidade erguido pelo poder político em resposta ao caderno de encargos da ‘troika'. O que vai valendo à maioria PSD / CDS é a muleta do PS, tentando travar a todo o custo a fiscalização sucessiva do Orçamento.

Mas se havia crise, agora vislumbra-se crise na crise. Se as medidas decididas pelo Governo começam a desmoronar-se, que fazer para salvar a crise? É que por este andar o país arrisca-se a ficar sem austeridade e, pior ainda, sem crise. Talvez seja essa a ocasião para reconhecer, com o velho Bertolt Brecht, que "a exploração e a mentira são coisas que custam a aprender". E que a crise, bem vistas as coisas, não é mais que um modo de fazer uns poucos ainda mais ricos, à custa de milhões de novos pobres, e de acabar de vez com a cultura social, fundadora de uma defunta ideia de Europa.
«DE» de 12 Jan 12

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