10.1.12

Trabalhadores Incansáveis Fazem pela Vida

Por Ludovico Agrícola *

É UMA NOVA raça de homens que costuram a história, a economia e as empresas à medida dos seus interesses pessoais, porque sabem que esses interesses só podem ser os interesses da Pátria e da República, ou seja, de Portugal (tal como os interesses da General Motors eram, há meio século, os interesses dos EUA, só para dar um exemplo edificante).

Quem são esses homens, que tão justificadamente se consideram «trabalhadores incansáveis»? Escolhemos apenas alguns exemplos dessa minoria de iluminados que faz soar bem alto o nome de Portugal.

Desde logo, esse admirável trabalhador corticeiro que é Américo Amorim, porventura o maior de todos. Apesar das grandes dificuldades que enfrenta, num país em crise, para garantir a sua sopinha quotidiana (suspeitamos que recorre à caridade discreta da piedosa Isabel Jonet, trabalhadora incansável do mesmo jaez), Américo continua a batalhar como um verdadeiro herói da classe operária e acaba de comprar um banco no Brasil (que, ao que se sabe, não é propriamente um banco de cozinha). Américo continuará, assim, a flutuar como uma rolha de cortiça.

Vem depois Alexandre Soares dos Santos, o grande merceeiro de Portugal. É outro trabalhador incansável que luta como um danado pelas suas batatas e verduras quotidianas (suspeita-se que também recorre à discretíssima Jonet). Alexandre tem um acendrado amor à Pátria, à República e, claro, às instituições democráticas (embora considere todos os políticos uns safados, com excepção do doutor Barreto dos milagres, que transforma rebuçados em livros, acolitado pelo Fernandes, o maior jornalista português de todos os tempos). Mas o incansável e extremoso Alexandre é também cidadão atento, venerador e obrigado em relação ao patriótico governo encabeçado pelo amoroso Pedro Passos Coelho. Por isso decidiu seguir os incitamentos à emigração produzidos pelo nosso querido primeiro-ministro, pisgando-se, todo ladino e enquanto o diabo esfrega um olho, para os Países Baixos, ou seja, para a Holanda.

Segue-se o inefável Eduardo Catroga, muito conhecido pela fineza do trato e pela subtileza da sua língua de palmo (além da lista de tachos em empresas várias, que acumula com uma pensão porreiríssima, e que lhe servem para arredondar os fins de mês). Pois o nosso bom Eduardo andava por aí aos caídos quando o convidaram para ir supervisionar a EDP do António Mexia, a troco de uns parcos tostões que nem dão para fazer cantar um cego ou transformar rebuçados em livros: 639 mil euros por ano. Uns «pentelhos», dirá ele. Mas Catroga é trabalhador incansável (mais um) e aceitou o sacrifício pelo bem da Pátria e da República e, já agora, da austeridade imposta aos portugueses - para bem dele(s)…

Muito conhecida pelas suas ligações ao sector da energia (que é coisa que não lhe falta, diga-se em abono da verdade), a protuberante Celeste Cardona, trabalhadora incansável oriunda do Largo do Caldas, também vai abichar 57 mil euros por ano (uma ninharia) para trabalhar em part time junto do Catroga, a supervisionar o Mexia. Quando alguém dos jornais se atreveu a questioná-la, a energética Celeste pôs a mão na anca e atirou, toda rouca: «Mal estaríamos se os privados não pudessem fazer escolhas em Portugal». «Ah, fadista!», exclamaram os privados…

Todos estes trabalhadores incansáveis fazem pela vida - e fazem jus aos insistentes apelos à equidade fiscal, social e sacrificial, expelidos pelo nosso tão bondoso Presidente da República, Cavaco Silva. Todos eles o apoiaram nas campanhas para a eleição e reeleição. E pelo menos um deles, o grandessíssimo Eduardo Catroga, provém do círculo selecto e restrito de conselheiros do herói de Boliqueime, quando este era só primeiro-ministro. E quem não se lembra, por exemplo, do buliçoso António Dias Loureiro, afortunado herdeiro de múltiplas heranças, que gosta tanto de fazer a sesta em Cabo Verde? E do excelso banqueiro José Oliveira e Costa, que chegou a dar com os costados na choça e nunca mais é julgado? Estes, para já nem falar de outros trabalhadores incansáveis oriundos da São Caetano à Lapa que continuam a coleccionar marmitas, tachos, cantis e pensões do caraças, só para fugirem à fome e ao desemprego, garantindo o pão que o diabo amassou. E, já agora, as sopinhas…

Gosto muito, confesso, de seguir o percurso destas porreiríssimas e adoráveis criaturas, autêntica tropa fandanga de alto coturno que integra o selectíssimo Clube dos Direitos Adquiridos. Tal é a oportuna designação que foi escolhida para homenagear o famoso empresário Ângelo Correia (avesso aos direitos adquiridos pela populaça, mas não aos que são conquistados por trabalhadores tão incansáveis como ele), mentor do nosso querido primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, o qual também é conhecido como o «Obama de Massamá» e considerado pela excelsa e imparcial jornalista Felícia Cabrita como «um homem invulgar», que agora governa este «país de trapos» endividado até às orelhas. Uma estafa…

Américo, Alexandre, Catroga, Cardona, Coelho, Paulinho, Gaspar & Cia., a mesma luta! P’rá frente camaradas, que para trás mija a burra!
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* Autor de seis crónicas publicadas no «Expresso» em 2011
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NOTA (CMR): Outras crónicas do autor estão afixadas no blogue Traço Grosso.

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1 Comments:

Blogger José Batista said...

Bravo, bravíssimo!
Quem foi que disse que o sorumbático estava a ficar (demasiado) sorumbático?

10 de janeiro de 2012 às 22:29  

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