11.1.12

O assalto à democracia

Por Baptista-Bastos

TEMOS de aceitar tudo o que nos é imposto com fatalista resignação? A violência das obrigações imputadas autoriza-nos a reagir com semelhante atitude, exactamente porque o que poderá ser legal perdeu a legitimidade por excesso e atropelo. Ninguém sabe o que nos espera no final desta longa e penosa travessia: nem mesmo aqueles que para ela nos impeliram. Temos de reflectir nas actividades políticas de um Governo que não parece muito animado em aspirações sociais e em equilíbrios éticos. Um Governo declaradamente inclinado em nos empobrecer, em estancar qualquer manifestação de cidadania e pouco preocupado em sacrificar legiões de desempregados e de excluídos. A justiça económica da livre troca é uma monstruosa falácia. Todos os dias sofremos ou temos conhecimento dessa fraude ideológica, mas não conseguimos mobilizar as forças da nossa inteligência e o domínio da nossa razão a fim de enfrentar o embuste que nos desgraça.

O poder perdeu (se alguma vez os teve) o pudor e a respeitabilidade. O exemplo recente das nomeações para a EDP tem o carimbo da coligação; mas, antes, o PS procedeu de igual ou pior forma. Eis a ressurreição do rotativismo do séc. XIX. Não há meio de alterar este pêndulo. O assunto da deslocação de Alexandre Soares dos Santos para a Holanda, reprovável no que comporta de moralmente indigno, define o tratado de hipocrisia dos que desencadearam a "polémica". Então, e os antecessores do processo?, são anjos imaculados ou pertencem todos a uma hagiografia de tratantes? Os mesmos preopinantes que, nos jornais, em bravas elucubrações, esgarçam o projecto socialista e, por antinomia, constituem-se como indefectíveis paladinos do capitalismo, viram-se, agora, contra quê?

O sistema que os procriou é aquele que colonizou as mentes e favorece quem o protege e preserva. Passem os olhos pelos rostos dos que dominam o Governo, mas não mandam no País. Assustam. As ordens procedem de fora. E as rodas dentadas da grande engrenagem movem-se através dessas cumplicidades ocultas. Lenta mas perseverantemente foram roubando o nosso já de si tão ausente protagonismo. Deixámos, há muito, de decidir o nosso destino; mas, pelo menos, possuíamos uma noção de presente, por obscuro que fosse. A marcha de José Mário Branco: "Qual é a tua, ó meu / andares a dizer / quem manda aqui sou eu?" - é o apogeu simbólico e trágico da nossa derrota. Andámos quase sempre enganados; no entanto, talvez aprendêssemos que podíamos ser livres no opróbrio. O regresso ao passado talvez forme novos resistentes.

O Governo a nada acede; não se trata de ceder, sim de aceder. E desrespeita a concertação social, simplesmente ignorando-a, e insultando os sindicatos com a soberba da omissão. Não restam dúvidas de que o assalto à democracia está em andamento acelerado.
«DN» de 11 Jan 12

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