12.3.12

Até o tsunami chegar

Por Manuel António Pina

QUANDO era criança, divertia-me com uma espécie de mantra que eu próprio inventei: repetia em voz alta uma palavra comum até ela se desconjuntar em meros sons, totalmente vazios de sentido.

Hoje, lendo jornais, tenho idêntica sensação. A palavra "milhões", por exemplo, repete-se tantas vezes que ler jornais, ou ver TV, se tornou num constante exercício de, como um hinduísta diria, "transformação espiritual" ou, como diria um "junky", numa "pedrada" permanente. O leitor sabe o que é um "milhão de euros"?, e "mil milhões de euros"?, e "100 mil milhões de euros"? Eu não faço a mínima ideia; "mil euros" ainda vou percebendo o que seja, "mil milhões de euros" é só um som...

A evolução não preparou o pagante homem comum português (cujo salário mínimo, quando tem salário, é inferior a 500 euros) para perceber o que sejam "186 mil milhões de euros" (valor da dívida pública portuguesa em 2012, segundo a CE). A coisa tem um lado positivo: podemos continuar tranquilos. Pelo menos até o tsunami chegar. A Parque Escolar propôs-se requalificar 332 escolas por "940 milhões de euros" e acabou por requalificar 205 por "3,1 mil milhões"; a Lusoponte meteu ao bolso indevidamente "4,4 milhões"; o Governo vendeu o BPN ao BIC por "40 milhões" doando-lhe, ao mesmo tempo "600 milhões"; se o BCE financiasse Portugal à mesma taxa de juro com que financia os bancos (1%), pouparíamos "14,6 mil milhões"... Quem se importa com isso?
«JN» de 12 Mar 12

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1 Comments:

Blogger José Batista said...

Um professor que tive na universidade, durante pouco tempo, e que mal recordo, chamava a isto "camionetas de zeros".
Nestes casos, estas e outras camionetas preparam-se para nos trucidar.
Tranquilamente.

12 de março de 2012 às 16:40  

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