Mudar de vida
Por Antunes Ferreira
OS PORTUGUESES devem mudar de vida, de acordo com o Senhor
primeiro-ministro. Mais precisamente afirmou ontem que o desemprego não tem de
ser encarado como negativo e pode ser «uma oportunidade para mudar de vida».
Mas, não se ficou por aqui; lamentou que «a cultura média» em Portugal seja a «da
aversão ao risco» e que os jovens licenciados portugueses prefiram, na sua
maioria, «ser trabalhadores por conta de outrem do que empreendedores».
Tudo o resto que ainda afirmou foi mais
uma série de bacoquices. De acordo com o noticiado, no contexto do «mudar de
vida», Sua Excelência referiu-se em especial aos Portugueses que estão sem
emprego. «Estar desempregado não pode ser, para muita gente, como é ainda hoje
em Portugal, um sinal negativo. Despedir-se ou ser despedido não tem de ser um
estigma, tem de representar também uma oportunidade para mudar de vida, tem de
representar uma livre escolha também, uma mobilidade da própria sociedade». É
de topete.
Só não se permitiu dar-se como exemplo do
que afirmava. A biografia dele – a que corre pela Internet e que não foi
desmentida, pelo menos até à data, não a oficial – diz bem do seu
empreendedorismo: da juventude até à entrada nos quarentas foi um político
carreirista, que entre vagas e procelas partidárias foi subindo no espectro
laranja. E quando começou a «trabalhar» tornou-se administrador de umas quantas
empresas pertencentes ao seu padrinho político, engenheiro Ângelo Correia.
Ou seja, fez parte desses imensos
Portugueses que preferem ser trabalhadores por conta de outrem em detrimento de
serem empreendedores; em casa de ferreiro, espeto de pau. Nada consta sobre as
iniciativas em que terá participado, além dos jogos políticos em que, a julgar
pelos resultados alcançados, incluindo São Bento, os sucessos foram
esmagadoramente maioritários. Há que franza o cenho perante tal afirmação; mas
a Dr.ª Manuela Ferreira Leite não é para aqui chamada. Esta é a estória azul; a
dela era a amarela.
Estamos, nós os Portugueses na altura exata
para mudar de vida ou, pelo menos, começar a pensar em mudar de vida. E, desta
forma, aproveitar o desemprego que vai crescendo por estas bandas. De acordo
com Pedro Passos Coelho, repito «estar desempregado não pode ser, para muita
gente, como é ainda hoje em Portugal, um sinal negativo». E os números
atingidos, segundo Bruxelas informada pelo Executivo, são muito preocupantes.
Para cá, são muito menos, vá lá e dando de barato, são apenas menos, coisa de uma décima, nada de especial.
Não se compreende – pelo menos eu não
compreendo – o motivo pelo qual a oposição e em particular o BE chamou
mentiroso ao Senhor Dr. Vítor Gaspar. Ele que, afirmou, perentório, que não
mente, não mente e não mente. Mas que não disse que nunca tinha mentido, nem
sequer quando era pequenino e sobre uma eventual ida à lata das bolachas. O
País precisava de homens destes, de barba rija e de têmpera especial. Ao pé dos
quais, qualquer aço de Toledo é uma vulgar e banal faca de cozinha, embotada.
Escolhidos a dedo, nas urnas eleitorais,
que se esforçam denodadamente para salvar a Pátria, ainda que esta, tal como a
velhinha da anedota com o escuteiro, não queira ser salva. É um caso típico da
idiossincrasia lusitana: sermos pobres e mal agradecidos. Veja-se o caso do Sr.
Soares dos Santos. Um benemérito a quem o reconhecimento público deveria
corresponder a venera que se visse, é torpemente vilipendiado por ser, apenas,
bom.
Desempregados deste torrão natal, tomem
bem conta da mensagem do Sr. primeiro-ministro. Estar sem ganhar o pão de cada
dia é a oportunidade para abrirem umas padarias. E deixem-se de se considerar
uns desgraçados; são é uns papos-secos. A massa está a levedar, está na hora de
ela crescer. Empreendam. Empreendam-se.
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3 Comments:
Pois. Faz tempo começou a haver entre os políticos e outros a ideia extraordinária de que não há profissões para a vida, pelo que as pessoas devem aceitar que saltitar de função em função (ou seja, ser despedido por qualquer motivo e aceitar qualquer trabalho precário) é o mais adequado para o funcionamento da sociedade.
Só não nos dão o exemplo, tirando a prática de "saltarem" do poder para funções principescamente pagas numa qualquer empresa de amigo, estatal ou não.
Nem sequer permitem que qualquer cidadão se candidate a representante do povo ou que proponha alguém para o mesmo efeito. Isso é matéria dos partidos que, em vez de livres associações de pessoas são órgãos de poder. Tanto poder que os seus chefes fazem listas de deputados, em ordem fixa, segundo a sua real gana, e nós ou escolhemos uma dessas listas, da meia dúzia possível, ou não escolhemos nem podemos escolher (mais) ninguém. No tempo de Salazar a coisa era mais económica: havia uma lista só; e quando era permitida mais alguma, ganhava a dele. O grau da democracia que temos não é, para este efeito, muito diferente do de Salazar...
Mas é o que temos.
Ora, é difícil que, em Portugal, não haja pessoas tão ou mais competentes do que a generalidade dos políticos partidários que temos (tido).
Por que razão só podemos ter deputados eleitos por decisão dos (chefes dos) partidos?
E isto não é ser contra os partidos.
É ser a favor dos cidadãos-políticos.
Estamos entregues à bicharada, é o que é!
ADENDA
O dito primeiro-ministro veio a terreiro reafirmar a alarvidade que expressara a propósito dos desempregados. Lastimável. Mas, vindo de quem se diz farto de pequenas crises quotidianas criadas intencionalmente por tudo o que não é este Estado Novo em que vivemos, já nada me (nos) espanta
Tinha pensado em não voltar à lamentável afirmação, mas o seu reforço leva-me a relembrar o Povo (incluindo os desempregados que devem mudar de vida, senão lixam-se): fazer o mal e a caramunha. Ponto. É o final. Nosso.
Obrigado e desculpem a reincidência em assunto tão escabroso.
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