12.5.12

Mudar de vida

Por Antunes Ferreira
OS PORTUGUESES devem mudar de vida, de acordo com o Senhor primeiro-ministro. Mais precisamente afirmou ontem que o desemprego não tem de ser encarado como negativo e pode ser «uma oportunidade para mudar de vida». Mas, não se ficou por aqui; lamentou que «a cultura média» em Portugal seja a «da aversão ao risco» e que os jovens licenciados portugueses prefiram, na sua maioria, «ser trabalhadores por conta de outrem do que empreendedores».
Tudo o resto que ainda afirmou foi mais uma série de bacoquices. De acordo com o noticiado, no contexto do «mudar de vida», Sua Excelência referiu-se em especial aos Portugueses que estão sem emprego. «Estar desempregado não pode ser, para muita gente, como é ainda hoje em Portugal, um sinal negativo. Despedir-se ou ser despedido não tem de ser um estigma, tem de representar também uma oportunidade para mudar de vida, tem de representar uma livre escolha também, uma mobilidade da própria sociedade». É de topete.
Só não se permitiu dar-se como exemplo do que afirmava. A biografia dele – a que corre pela Internet e que não foi desmentida, pelo menos até à data, não a oficial – diz bem do seu empreendedorismo: da juventude até à entrada nos quarentas foi um político carreirista, que entre vagas e procelas partidárias foi subindo no espectro laranja. E quando começou a «trabalhar» tornou-se administrador de umas quantas empresas pertencentes ao seu padrinho político, engenheiro Ângelo Correia.
Ou seja, fez parte desses imensos Portugueses que preferem ser trabalhadores por conta de outrem em detrimento de serem empreendedores; em casa de ferreiro, espeto de pau. Nada consta sobre as iniciativas em que terá participado, além dos jogos políticos em que, a julgar pelos resultados alcançados, incluindo São Bento, os sucessos foram esmagadoramente maioritários. Há que franza o cenho perante tal afirmação; mas a Dr.ª Manuela Ferreira Leite não é para aqui chamada. Esta é a estória azul; a dela era a amarela.
Estamos, nós os Portugueses na altura exata para mudar de vida ou, pelo menos, começar a pensar em mudar de vida. E, desta forma, aproveitar o desemprego que vai crescendo por estas bandas. De acordo com Pedro Passos Coelho, repito «estar desempregado não pode ser, para muita gente, como é ainda hoje em Portugal, um sinal negativo». E os números atingidos, segundo Bruxelas informada pelo Executivo, são muito preocupantes. Para cá, são muito menos, vá lá e dando de barato, são apenas menos,  coisa de uma décima, nada de especial.
Não se compreende – pelo menos eu não compreendo – o motivo pelo qual a oposição e em particular o BE chamou mentiroso ao Senhor Dr. Vítor Gaspar. Ele que, afirmou, perentório, que não mente, não mente e não mente. Mas que não disse que nunca tinha mentido, nem sequer quando era pequenino e sobre uma eventual ida à lata das bolachas. O País precisava de homens destes, de barba rija e de têmpera especial. Ao pé dos quais, qualquer aço de Toledo é uma vulgar e banal faca de cozinha, embotada.
Escolhidos a dedo, nas urnas eleitorais, que se esforçam denodadamente para salvar a Pátria, ainda que esta, tal como a velhinha da anedota com o escuteiro, não queira ser salva. É um caso típico da idiossincrasia lusitana: sermos pobres e mal agradecidos. Veja-se o caso do Sr. Soares dos Santos. Um benemérito a quem o reconhecimento público deveria corresponder a venera que se visse, é torpemente vilipendiado por ser, apenas, bom.
Desempregados deste torrão natal, tomem bem conta da mensagem do Sr. primeiro-ministro. Estar sem ganhar o pão de cada dia é a oportunidade para abrirem umas padarias. E deixem-se de se considerar uns desgraçados; são é uns papos-secos. A massa está a levedar, está na hora de ela crescer. Empreendam. Empreendam-se.

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3 Comments:

Blogger José Batista said...

Pois. Faz tempo começou a haver entre os políticos e outros a ideia extraordinária de que não há profissões para a vida, pelo que as pessoas devem aceitar que saltitar de função em função (ou seja, ser despedido por qualquer motivo e aceitar qualquer trabalho precário) é o mais adequado para o funcionamento da sociedade.
Só não nos dão o exemplo, tirando a prática de "saltarem" do poder para funções principescamente pagas numa qualquer empresa de amigo, estatal ou não.
Nem sequer permitem que qualquer cidadão se candidate a representante do povo ou que proponha alguém para o mesmo efeito. Isso é matéria dos partidos que, em vez de livres associações de pessoas são órgãos de poder. Tanto poder que os seus chefes fazem listas de deputados, em ordem fixa, segundo a sua real gana, e nós ou escolhemos uma dessas listas, da meia dúzia possível, ou não escolhemos nem podemos escolher (mais) ninguém. No tempo de Salazar a coisa era mais económica: havia uma lista só; e quando era permitida mais alguma, ganhava a dele. O grau da democracia que temos não é, para este efeito, muito diferente do de Salazar...
Mas é o que temos.
Ora, é difícil que, em Portugal, não haja pessoas tão ou mais competentes do que a generalidade dos políticos partidários que temos (tido).
Por que razão só podemos ter deputados eleitos por decisão dos (chefes dos) partidos?
E isto não é ser contra os partidos.
É ser a favor dos cidadãos-políticos.

12 de maio de 2012 às 10:49  
Blogger Mg said...

Estamos entregues à bicharada, é o que é!

12 de maio de 2012 às 11:14  
Blogger Unknown said...

ADENDA

O dito primeiro-ministro veio a terreiro reafirmar a alarvidade que expressara a propósito dos desempregados. Lastimável. Mas, vindo de quem se diz farto de pequenas crises quotidianas criadas intencionalmente por tudo o que não é este Estado Novo em que vivemos, já nada me (nos) espanta

Tinha pensado em não voltar à lamentável afirmação, mas o seu reforço leva-me a relembrar o Povo (incluindo os desempregados que devem mudar de vida, senão lixam-se): fazer o mal e a caramunha. Ponto. É o final. Nosso.

Obrigado e desculpem a reincidência em assunto tão escabroso.

12 de maio de 2012 às 18:05  

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