O estranho caso do anexo
Por Manuel António Pina
FOI "com tranquilidade mas com convicção" que o ministro das Finanças assegurou ao Parlamento, onde estava a ser ouvido sobre o controverso Documento de Estratégia Orçamental: "Eu não minto, eu não engano, eu não ludibrio" (poderia ter usado mais sinónimos, mas ficou-se sensatamente por aqui).
A solene declaração de Vítor Gaspar foi suscitada pela intervenção do deputado do PCP Honório Novo, que o acusara daquelas coisas feias todas por o documento entregue em Bruxelas ter chegado à AR sem o Anexo II, com previsões sobre o desemprego nos próximos anos.
Fosse Vítor Gaspar teólogo, e não economista, e Honório Novo filósofo, e não engenheiro, e a Assembleia teria ontem assistido a um estimulante debate acerca das singularidades do conceito de "verdade". Não mentir, não enganar, não ludibriar implicará falar verdade? E omitir?, terá omitir, além de semelhanças fonéticas, afinidades semânticas com mentir? Será a verdade "toda a verdade e nada mais que a verdade" ou uma parte da verdade já é verdade que baste?
Seria um diálogo de surdos, tão instrutivo como o diálogo que também houvesse sobre o conceito de "ajuda" aplicado ao chamado memorando da "troika". Poderiam ser ambos enviados para Bruxelas como Anexo III, mas Bruxelas ligar-lhes-ia tanto quanto a realidade liga aos números do desemprego do Anexo II.
«JN» de 10 Mai 12
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