O Governo invisível
Por Baptista-Bastos
A
EUROPA não ficará rigorosamente igual, depois das eleições em França e
na Grécia. O príncipe de Lampedusa, n' O Leopardo, dizia ser preciso
alterar alguma coisa para que tudo ficasse na mesma. Em França, o
"sistema" rotativo, usual nas democracias ocidentais, que foram feitas
para ceder à "organização", a ilusão de tábua rasa permanece. A
percentagem com que Hollande ganhou a Sarkozy é significativamente
escassa. E a ascensão da Frente Nacional reforça a ideia de que os
franceses desejam manter o maniqueísmo que faz parte da sua história.
Apesar do descrédito que o "socialismo" actual arrasta consigo, um pouco
por todo o lado, Hollande conseguiu escorraçar Sarkozy. A França da
Revolução é, também, a França xenófoba, racista, patrioteira, com
sentimentos ambivalentes em relação à Alemanha (lembremo-nos de Vichy e
do colaboracionismo) e os reverentes salamaleques de Sarkozy à senhora
Merkel deram azo a um mal-estar sintetizado em anedotas e em cartunes
devastadores.
Esta parelha dirigiu a Europa obedecendo a uma
ideologia do "governo invisível dos poderosos" [Pierre Bourdieu,
Contre-Feux 2], que impôs os seus pontos de vista aos políticos e
inculcou métodos de pensamento unívoco. Aqueles dois mais não têm sido
do que títeres de um projecto de domínio financeiro, notoriamente
totalitário. Neste caso, Hollande, apesar dos constrangimentos que o
cercam, pode ser um alívio para a compressão beligerante sob a qual
temos vivido.
O caso grego é mais complexo e estimulante. O povo
não quer nada do que se lhe impõe, e o que se lhe impõe é, simplesmente,
um acto de servidão e de subserviência. De contrário, ou vai embora do
euro ou procederá a eleições sucessivas até que o resultado seja
coincidente com as normas. Aqui, o desprezo pela democracia, operado
pelo "governo invisível dos poderosos", chega a ser infame e obsceno.
A
insistência dos gregos em lutar contra a fantasmagoria dos "mercados",
que impõe implacavelmente as suas leis, abre novas perspectivas de
acareamento com o modelo de sociedade que nos infundem. A "pulverização"
dos votos torna possível, de facto, uma amálgama de ideologias e de
doutrinas antagónicas; porém, esse caos aparente explica o
descontentamento geral e justifica, talvez, o aparecimento de uma nova
luz nas relações de poder.
Se a vitória de Hollande talvez
descomprima, um pouco, a lógica de tensão que coexiste com a
"austeridade" e com a política do quero, posso e mando, o que acontece
na Grécia pode, acaso, clarificar a natureza política do projecto
neoliberal. Como? Pondo em causa a perfídia doutrinária do
"empobrecimento" e da inevitabilidade de passarmos a ser "democracias de
superfície", mandadas do exterior por esse inquietante "governo
invisível dos poderosos."
Não é o caso de Portugal?
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico-
«DN» de 9 Mai 12
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