Presuntos implicados
Por Ferreira Fernandes
HÁ UNS TEMPOS, um restaurante lisboeta foi multado por também lá se
dançar. As proibições irritam-me, a irritação dá-me para crónicas e,
nessa altura, lavrei uma a que chamei "Pezinhos de dança e de
coentrada." Admiti a possibilidade de crime e que, entre o tornedó e o
tiramisù, comensais se levantassem e dançassem. Mas sugeri que os
polícias, perante um par a dar um passo para a direita e dois para a
esquerda, "não vissem nisso tango mas só a gentileza de dois clientes
tentando dar passagem um a outra"...
Agora, novo caso, mas inverso,
aconteceu longe, na Argentina, onde a Presidente Cristina Fernández
Kirchner proibiu a entrada do jámon español, que no caso são (por
enquanto) os únicos presuntos implicados. Uma casa de tangos tornar
persona non grata um presunto é absurdo digno de um conto de Julio
Cortazar ou de uma peça teatral de Copi. Assim, à velha pergunta "que
livro levava para uma ilha deserta?", eu responderia hoje: depende. Se a
ilha fosse a Argentina (e é nisso que ela se está a tornar), eu
trocaria qualquer livro por um presunto de Jabugo. É que em Buenos Aires
encontro as mais belas e fornecidas livrarias do mundo, mas aquele
ibérico de bellota só importado. E, depois, alertaria para o essencial:
quando os governos investem em protecionismos demagógicos e inimigos
externos (das ovelhas das Malvinas/Falkland aos porcos ibéricos),
começam por proibir o presunto para chegarem exatamente aos livros.
«DN» de 12 Mai 12 Etiquetas: autor convidado, F.F
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