O direito à desobediência
Por Baptista-Bastos
A
MENTIRA e a ambiguidade adquiriam novas expressões, uma das quais, a
"hipótese de trabalho", colocada anteontem em circulação pelo encantador
ministro Vítor Gaspar. Esta "hipótese de trabalho" permite todas as
variações semânticas, e oculta a desorientação geral de um Governo de
medíocres. Não digo nada de novo. E só agora, embora as provas sejam
exuberantes e anteriores, tímidos editoriais e comedidos articulistas
alinham uns adjectivos enviesados a fim de garantirem, aos seus autores,
o investimento futuro. "Eu avisei!" Não avisaram coisa alguma: seguiram
o canto das sereias. O despudor é endémico e alcançou, transversal, a
sociedade portuguesa.
Temos vivido sob esta música. O temor
reverencial embrulha-se nas trapaças com que nos enredam. A reposição
dos dinheiros que nos subtraíram, nos subsídios de férias e de Natal, e
nos vencimentos da Função Pública, tem passado, no discurso do Governo,
de ano para ano, e já vamos em 2018, na última versão oficial. As
fraudes morais, que se tornaram, nas duas últimas décadas, em desportos
particularmente requintados, atingiram, com Passos Coelho e seu grupo,
patamares desaforados.
Não sabemos como sair desta aventura
pavorosa, na qual os vencedores não passam de pistoleiros mentais.
Falam-nos como se fôssemos matóides e animam essa vasta murmuração que
considera a política uma estrebaria e os políticos um sinédrio de
malandros. Pedro Passos Coelho ganhou a simpatia de muita gente como
paladino da "transparência" e da "verdade". Acentuou, com a voz treinada
e uma simpatia de subúrbio, a dubiedade de carácter de José Sócrates.
Afinal...
Como assinalou um amigo meu, está a imitá-lo em grande, e
veste-se pior. A protegê-lo e a apoiá-lo, pelo silêncio e pela lacuna,
lá está o dr. Cavaco. Em condições normais, com um Presidente rigoroso e
elevado, Passos já teria sido demitido. Mentir assim é o excesso dos
excessos. Mas o dr. Cavaco é o dr. Cavaco que há. E a tenaz ideológica
que nos esmaga tem, nele, a analogia perfeita. Adicione-se-lhe a
ausência de coragem, o possidonismo intelectual, e a interpretação de
infantário que faz das suas funções e ficamos com a dimensão do senhor.
O
sonho de Sá Carneiro, um Governo, uma maioria, um Presidente, se
oferecia um conteúdo compacto de governação, é, na prática, um
pesadelo. As vastas indecisões, as reviravoltas inescrupulosas, a
ausência de humanidade inscrevem-se no mesmo fenómeno específico de
soberba e negligência que, na Europa, amolga as democracias e martiriza
as pessoas.
Esta experiência maciça de desolação e de miséria
desestruturou a família, e minou, com o medo e a intimidação, os laços
sociais, necessários em cada etapa do nosso procedimento. A
legalidade, provinda do voto, nem sempre legitima a acção de quem
governa e obriga os governados à obediência. É o caso.
(Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico)-
«DN» de 2 Mai 12
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1 Comments:
EXCELENTE!!!
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