22.6.12

Espanha a aportuguesar-se

Por Ferreira Fernandes
A CRISE financeira europeia levou os espanhóis a aderir à pega de cernelha. Resgate? Claro que não, dizem eles, é só um empréstimo aos bancos. 
A Espanha é uma família em que lá em casa os pais são pagadores fiáveis, os filhos é que precisam de umas ajudazitas externas. A falência espanhola mora naquela categoria de limbo em que vivem as quase grávidas. Ora isso, que em português seria natural (não cultivamos nós o assim-assim e os ângulos curvos?), em Espanha rompe com a tradição. No país do "hay gobierno? Soy contra", à esquerda, e "viva la muerte!", à direita, onde se anuncia nas desoladas estradas com os cornos pontiagudos dos touros de Osborne, onde, nas guerras civis, uns atiravam padres do alto dos campanários e outros fuzilavam em massa nas praças de Badajoz, a imprensa doura a pílula: "resgate suave" e "descafeinado", diz ela... 
Para onde foi a "fúria espanhola"? Filipe II (deles, I, nosso) quando veio a Lisboa pedir a coroa, não esteve com meias medidas: "Este reino é meu, porque herdei-o, comprei-o e conquistei-o", disse brutalmente. Agora, Mariano Rajoy anda a pedir coroas por Bruxelas com todos os cuidados semânticos. 
Os leitores que se irritam por eu escrever demasiado sobre futebol deviam dar-lhe a importância que de facto tem: ele molda o carácter. O país onde antigamente os guarda-redes se chamavam Zubizarreta passou a jogar em dolentes tique-taques e agora nem assumem um resgate com salero. 
«DN» de 22 Jun 12

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