Lições gregas
Por Baptista-Bastos
A DESIGNADA crise grega não ficou solucionada com a vitória da Nova
Democracia. É uma vitória de Pirro que, afinal, põe de novo em causa a
natureza do capitalismo, e as características das "democracias" que se
obstinam em o defender, mesmo através do rasto de miséria, infortúnio e
morte que atrás de si deixa. Titula o Público: "Grécia elege partido que
mais garante a permanência no euro." Não será bem assim. Aquele povo
foi submetido a uma pressão chantagista sem precedentes. Incutiu-se a
asfixia imoral da não alternativa e o fantasma do caos iminente. Os
dirigentes políticos da direita europeia inscreveram o medo na
estratégia de coacção sobre os gregos. Até o Financial Times perdeu
completamente a vergonha e, na edição alemã, publicou um editorial em
grego, incitando o voto na Nova Democracia, como garante da
sobrevivência do país.
A Nova Democracia (partido "irmão" do PSD)
é responsável, com o socialista PASOK, pela baderna instalada na
Grécia. Aqueles partidos (tal como os de cá) defendem os mesmos
postulados, pertencem às mesmas oligarquias corruptas, partilham o poder
sem nunca questionar o sistema que cegamente defendem, porque o sistema
os resguarda e sustenta.
Evidentemente, as coisas vão-se tornando
intoleráveis. A desconstrução do discurso político necessita de ser
feita pela raiz, e a tagarelice de economistas, por inútil e
prejudicial, está a ser sovada. O caso grego permite, também, motivos de
reflexão sobre o sentido de renovação estrutural. O Syriza e o que
comporta de ascensão de outras hipóteses merecem uma atenção muito maior
do que a momentânea. Aquela coligação, ao dizer que o capitalismo é
irracional na essência e devastador no que procede, despertou as
consciências de muita gente.
Não se trata de um epifenómeno, mas,
creio, de um movimento incitando a escapar ao prisma deformador que
apresenta o mundo como exclusivamente económico. Classificando-se como
segundo partido grego, depois de enfrentar ameaças e anátemas de todo o
jaez e estilo, o Syriza abre novas perspectivas ao equilíbrio social,
cultural e político, reabilitando os grandes valores da esquerda.
Uma
nova esquerda ou uma outra leitura da esquerda? Pode ser uma e outra. A
verdade é que o Syriza disse que, num tempo de mercado unificado e de
interesses vários e sórdidos, recuperar e regenerar a utopia pode
comportar a realidade do mundo. Porque todas as possibilidades de
mudança, todas as formas de justiça e de felicidade estão ao nosso
alcance. Ou seja: a história pensada a partir da política, o que
estimula a agir segundo princípios emancipadores. Um comentador de voz
grossa e escrita fininha asseverou, numa tv, que, no caso de o Syriza
chegar ao poder, seria o cataclismo. E então, o regresso dos que o
causaram? Na Grécia, tudo está em aberto.
«DN» de 20 Jun 12 Etiquetas: BB
1 Comments:
É uma pena os gregos não gostarem de trabalhar.
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