9.10.12

Em que Universidades se Formaram?

Por Guilherme Valente
LI IMPRESSIONADO a entrevista da minha Amiga Helena Damião à revista "A Cabra" (*). Um texto revelador  do grau de virulência e impregnação da ideologia  e das teorias pedagógicas  que temos designado por eduquês. 
Mesmo alguém que tem assumido corajosamente a análise crítica das teorias em que foi formada (talvez deva dizer formatada), revela uma dramática dificuldade em assumir e explicar  a rejeição de uma das mais obviamente tontas, ignorantes e perversas ideias-matrizes do eduquês. A ideia de que os alunos estão encerrados num fatídico determinismo, que não distinguem entre o bem e o mal, que não são responsabilizáveis pelos seus actos.
Na entrevista, Helena Damião "contorce-se" dolorosamente para não ter de assumir aquilo que seguramente se impõe à sua consciência, inteligência e instrução histórica, como absolutamente óbvio, justo, exigível, indispensável: a existência (também) na Universidade  de  um código que  consagre os direitos e deveres dos que têm o privilégio de a frequentar e nela trabalhar. Com a penalização, igual para todos, claramente expressa de quem o violar.
O código de direitos e deveres, com a necessária penalização  para quem  o viole, foi um passo de gigante na "escalada civilizacional do homem". A sua inexistência traduz-se, se não na luta de todos contra todos, na usurpação da liberdade do outro, na inevitável opressão e liquidação dos mais fracos, a discriminação, a barbárie, enfim. Documentadas amplamente na história da humanidade.
E não é isso que se prefigura ou está mesmo, cada vez mais frequentemente, de algum modo, a manifestar-se nas nossas escolas, até nas universidades?  Não é por isso que ocorre agora esta discussão sobre a necessidade de um código disciplinar, que, afinal, devia ter  existido sempre? A justiça é o cimento de uma sociedade, e a escola a instância   matricial  onde deve começar a ser consagrada, vivida.
E porquê essa dificuldade de admitir e defender o óbvio? Porque para o eduquês os "meninos" não sabem o que fazem. E o código iria ferir a sua auto-estima. Não se poderia imaginar ideia mais cretina!
Violam uma colega, dão uma navalhada noutro, batem no professor ou não o deixam dar a aula, isso deve-se a um trauma qualquer antigo dos meninos, manifestações  que na versão mais despudorada, cretina ou oportunista, estilo Eduardo de Sá, ou mais suave (e hoje convenientemente mais envergonhada) de Daniel Sampaio, parece deverem mesmo ser acolhidas como algo positivo, passo decisivo para a sua superação.
Querem evidência mais expressiva do modo como o eduquês  nega, tenta roubar ao ser humano, aquilo que é o mais  distintivo, mais definidor, melhor  da sua  humanidade? A consciência moral, diria mesmo, a inteligência das coisas, a capacidade de nos colocarmos no  lugar do outro, condição da solidariedade, o sentido de responsabilidade e de justiça. Percebem como assim lhe é negada a autonomia e a liberdade?
É esta, caro leitor, a pedra angular ideológica de onde tudo o resto da praga é deduzido, a pedra angular de onda brota a devastação em curso.
As regras, com a respectiva penalização, um código, realmente e justamente, para todos igualmente, coercivo,  são absolutamente imperativos  em todas as nossas instituições. Desde logo na escola, como é mais de que óbvio. E todavia... 
São imperativos entre nós pela razia, moral, ética, da mais elementar falta de respeito, mesmo físico, pelo outro, a que crescentemente se assiste.  
Anos de devastação na escola, que devia ser a sede privilegiada para a instrução, teórica e prática, da civilidade, do respeito pelo outro, da solidariedade, da responsabilidade.
O que se passa nas nossas universidades é um escândalo absolutamente intolerável. Escândalo pago com o dinheiro de quem começa a não ter dinheiro para comer. Poderá  isto continuar?
Universidade em que professores não conseguem dar as aulas, em que os alunos copiam despudoradamente (nas licenciaturas, nos mestrados e nos doutoramentos), traindo o objectivo nuclear e definidor da instituição, prejudicando não só os colegas, mas a si próprios. Universidades e politécnicos a cujos alunos é mesmo significativamente publicamente oferecida a descarada possibilidade de comprarem trabalhos e teses de licenciatura, mestrado e doutoramento. Poderá isto continuar?

Vejamos o que se verifica nas verdadeiras universidades. Apenas dois exemplos concretos, que directamente conheço.
A Universidade de Cornell. Quando o aluno é aceite, assina um compromisso de honra. Sabem qual é a pena para quem copie ou apenas não indique o autor de uma  citação que faça? Expulsão imediata. É assim que se formam profissionais e cidadãos, as elites que deverão promover a ética na sociedade, na vida política. Bandidos há sempre. Corruptos há sempre. Mas como é a corrupção enfrentada nessa sociedade, muito mais complexa e diversa, aliás?
Sabem que em Cornell os alunos fazem, por vezes, os testes em casa? E que ninguém copia? Sabem que em Cornell os alunos mudam de turma quando os professores não são suficientemente exigentes? Que não é preciso haver chumbos porque os próprios alunos desistem quando verificam não conseguir fazer o curso com a exigência exigida?
Por isso o valor de um curso em Cornell é reconhecido e apreciado.
Um aluno da Universidade do Porto, a estudar na Finlândia no âmbito  do Programa Erasmus, foi apanhado a copiar num exame (na Finlândia há exames...). Consequência:  expulsão  imediata e a Finlândia rompe com Portugal a cooperação Erasmus.  Mais revelador ainda  foi o comportamento de um pro-reitor (suponho, estou a referir de memória a notícia do jornal): desculpou o "menino" . Poderá isto continuar?
Mais perduravelmente nefasto para o país do que  todos  os "oliveira e costa", "dias loureiro", " freeport", "robalos", " ppp" e tudo o muito mais que se sabe e não se sabe. Em que universidades se terão formado? 
Como há muito escrevi, o eduquês teve e tem o êxito que se vê e sofremos por ter enxertado no pior da mais velha cultura portuguesa. Que a escola do eduquês, em vez de contrariar, tem  reforçado.
Será que toda essa gente cometeu esses actos miseráveis por não ter nascido rica, como o filho do Senhor Belmiro de Azevedo? (E mesmo que fosse por isso, e não é, que culpa tínhamos nós todos disso?)  E que os teriam cometido se soubessem que poderiam responder por eles perante uma verdadeira e eficaz justiça? Se não se sentissem protegidos  ao mais algo nível político? Se soubessem que poderiam ser presos como acontece a um desgraçado que roube, para comer, num supermercado?
Tudo óbvio, portanto.
Sempre pensei  que o problema dos eduqueses  é, em última instância, a ignorância. O que estudaram,  que autores e livros leram? Se eu pudesse dar-lhes o castigo que merecem,  seria estudarem e lerem. Fazerem o o bom curso que lhes falta.
Coragem, portanto, minha cara Helena, é esse o seu papel histórico.
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(*) A entrevista de Helena Damião pode ser lida [aqui].

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3 Comments:

Blogger José Batista said...

Atenção CMR: o link está feito para outro artigo que não o de Guilherme Valente.

9 de outubro de 2012 às 21:16  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Eu sei. Mas, desta vez, o link não é para o texto integral de G.V. (pois ele está aqui), mas sim para o outro, aqui referido, de Helena Damião, na revista "A Cabra".

10 de outubro de 2012 às 09:01  
Blogger José Batista said...

Pois. Claro. Ignore, por favor. Funcionei como se o texto de Guilherme Valente, que eu já tinha lido, só tivesse aqui uma pequena introdução.

10 de outubro de 2012 às 16:24  

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