Em que Universidades se Formaram?
Por Guilherme Valente
LI IMPRESSIONADO a entrevista
da minha Amiga Helena Damião à revista "A Cabra" (*). Um texto revelador
do grau de virulência e impregnação da ideologia e das teorias
pedagógicas que temos designado por eduquês.
Mesmo alguém que tem
assumido corajosamente a análise crítica das teorias em que foi formada
(talvez deva dizer formatada), revela uma dramática dificuldade em
assumir e explicar a rejeição de uma das mais obviamente tontas,
ignorantes
e perversas ideias-matrizes do eduquês. A ideia de que os alunos estão
encerrados num fatídico determinismo, que não distinguem entre o bem e o
mal,
que não são responsabilizáveis pelos seus actos.
Na entrevista, Helena Damião
"contorce-se" dolorosamente para não ter de assumir aquilo que
seguramente se impõe à sua consciência, inteligência e instrução histórica,
como absolutamente óbvio, justo, exigível, indispensável: a existência (também)
na Universidade de um código que consagre os direitos e
deveres dos que têm o privilégio de a frequentar e nela trabalhar. Com a
penalização, igual para todos, claramente expressa de quem o violar.
O código de direitos e
deveres, com a necessária penalização para quem o viole, foi um
passo de gigante na "escalada civilizacional do homem". A sua
inexistência traduz-se, se não na luta de todos contra todos, na
usurpação da liberdade do outro, na inevitável opressão e liquidação dos
mais fracos, a discriminação, a barbárie, enfim. Documentadas amplamente na
história da humanidade.
E não é isso que se prefigura
ou está mesmo, cada vez mais frequentemente, de algum modo, a manifestar-se nas
nossas escolas, até nas universidades? Não é por isso que ocorre agora
esta discussão sobre a necessidade de um código disciplinar, que, afinal, devia
ter existido sempre? A justiça é o cimento de uma sociedade, e a escola a
instância matricial onde deve começar a ser consagrada,
vivida.
E porquê essa dificuldade de admitir e defender o óbvio? Porque para o eduquês os "meninos" não sabem o que fazem. E o código iria ferir a sua auto-estima. Não se poderia imaginar ideia mais cretina!
E porquê essa dificuldade de admitir e defender o óbvio? Porque para o eduquês os "meninos" não sabem o que fazem. E o código iria ferir a sua auto-estima. Não se poderia imaginar ideia mais cretina!
Violam uma colega, dão uma navalhada noutro, batem no professor ou não o deixam
dar a aula, isso deve-se a um trauma qualquer antigo dos meninos, manifestações
que na versão mais despudorada, cretina ou oportunista, estilo Eduardo de
Sá, ou mais suave (e hoje convenientemente mais envergonhada) de Daniel
Sampaio, parece deverem mesmo ser acolhidas como algo positivo, passo decisivo
para a sua superação.
Querem
evidência mais expressiva do modo como o eduquês nega, tenta roubar ao
ser humano, aquilo que é o mais distintivo, mais definidor, melhor
da sua humanidade? A consciência moral, diria mesmo, a
inteligência das coisas, a capacidade de nos colocarmos no lugar do
outro, condição da solidariedade, o sentido de responsabilidade e de justiça. Percebem
como assim lhe é negada a autonomia e a liberdade?
É esta, caro leitor, a pedra angular ideológica de onde tudo o resto da praga é deduzido, a pedra
angular de onda brota a devastação em curso.
As regras, com a respectiva penalização,
um código, realmente e justamente, para todos igualmente, coercivo, são
absolutamente imperativos em todas as nossas instituições. Desde logo na
escola, como é mais de que óbvio. E todavia...
São imperativos entre nós pela razia,
moral, ética, da mais elementar falta de respeito, mesmo físico, pelo
outro, a que crescentemente se assiste.
Anos de devastação na escola, que devia
ser a sede privilegiada para a instrução, teórica e prática, da
civilidade, do respeito pelo outro, da solidariedade, da responsabilidade.
O que se passa nas nossas universidades é
um escândalo absolutamente intolerável. Escândalo pago com o dinheiro de quem
começa a não ter dinheiro para comer. Poderá isto continuar?
Universidade
em que professores não conseguem dar as aulas, em que os alunos copiam
despudoradamente (nas licenciaturas, nos mestrados e nos doutoramentos),
traindo o objectivo nuclear e definidor da instituição, prejudicando não
só os
colegas, mas a si próprios. Universidades e politécnicos a cujos alunos é
mesmo
significativamente publicamente oferecida a descarada possibilidade de
comprarem trabalhos e teses de licenciatura, mestrado e doutoramento.
Poderá
isto continuar?
Vejamos o que se verifica nas verdadeiras universidades. Apenas dois exemplos concretos, que directamente conheço.
A Universidade de Cornell. Quando o aluno é aceite, assina
um compromisso de honra. Sabem qual é a pena para quem copie ou apenas não
indique o autor de uma citação que faça? Expulsão imediata. É assim que
se formam profissionais e cidadãos, as elites que deverão promover a ética na
sociedade, na vida política. Bandidos há sempre. Corruptos há sempre. Mas como
é a corrupção enfrentada nessa sociedade, muito mais complexa e diversa, aliás?
Sabem que em
Cornell os alunos fazem, por vezes, os testes em casa? E que ninguém copia?
Sabem que em Cornell os alunos mudam de turma quando os professores não
são suficientemente exigentes? Que não é preciso haver chumbos porque os
próprios alunos desistem quando verificam não conseguir fazer o curso com a
exigência exigida?
Por
isso o valor de um curso em Cornell é reconhecido e apreciado.
Um
aluno da Universidade do Porto, a estudar na Finlândia no âmbito do
Programa Erasmus, foi apanhado a copiar num exame (na Finlândia há exames...). Consequência:
expulsão imediata e a Finlândia rompe com Portugal a cooperação
Erasmus. Mais revelador ainda foi o comportamento de um pro-reitor
(suponho, estou a referir de memória a notícia do jornal): desculpou o
"menino" . Poderá isto continuar?
Mais perduravelmente nefasto para o país do que todos os "oliveira e costa", "dias loureiro", " freeport", "robalos", " ppp" e tudo o muito mais que se sabe e não se sabe. Em que universidades se terão formado?
Mais perduravelmente nefasto para o país do que todos os "oliveira e costa", "dias loureiro", " freeport", "robalos", " ppp" e tudo o muito mais que se sabe e não se sabe. Em que universidades se terão formado?
Como há muito escrevi, o eduquês
teve e tem o êxito que se vê e sofremos por ter enxertado no pior da mais
velha cultura portuguesa. Que a escola do eduquês, em vez de contrariar,
tem reforçado.
Será
que
toda essa gente cometeu esses actos miseráveis por não ter nascido
rica,
como o filho do Senhor Belmiro de Azevedo? (E mesmo que fosse por isso, e
não
é, que culpa tínhamos nós todos disso?) E que os teriam cometido se
soubessem que poderiam responder por eles perante uma verdadeira e
eficaz
justiça? Se não se sentissem protegidos ao mais algo nível político? Se
soubessem que poderiam ser presos como acontece a um desgraçado que
roube, para comer, num supermercado?
Tudo
óbvio, portanto.
Sempre pensei que o problema dos eduqueses é, em última
instância, a ignorância. O que estudaram, que autores e livros leram? Se
eu pudesse dar-lhes o castigo que merecem, seria estudarem e lerem. Fazerem
o o bom curso que lhes falta.
Coragem, portanto, minha cara Helena, é esse o seu papel histórico.-
(*) A entrevista de Helena Damião pode ser lida [aqui].
Etiquetas: GV
3 Comments:
Atenção CMR: o link está feito para outro artigo que não o de Guilherme Valente.
Eu sei. Mas, desta vez, o link não é para o texto integral de G.V. (pois ele está aqui), mas sim para o outro, aqui referido, de Helena Damião, na revista "A Cabra".
Pois. Claro. Ignore, por favor. Funcionei como se o texto de Guilherme Valente, que eu já tinha lido, só tivesse aqui uma pequena introdução.
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