13.11.12

A Auto-Estima do Governo

Por Maria Filomena Mónica
O GOVERNO anda preocupado com a sua imagem. Percebo: tendo recentemente comprado um globo, de cada vez que o faço girar, sinto-me angustiada. Olho a grande estepe russa, a massa imensa da China, os Estados que formam a América e, por fim, o nosso diminuto país. Se saio de casa, a situação não é melhor. A tristeza lusa é íntima, estéril e destruidora.
Quem dela nos salvará? Miguel Relvas. Não percebo por que motivo deram em embirrar com o homem. O facto de ter uma licenciatura tonta só nos escandaliza por sermos um país de analfabetos. O «Dr», antes de um nome, acrescentará alguma coisa à competência politica? Não. Grandes líderes houve – basta pensar em Churchill – que nunca frequentaram a Universidade. Pena é que o ministro não tenha aprendido isto nas suas aulas (ou não aulas) da Universidade Lusófona.
Mas olhemos o que, sob a sua alçada, se montou. O documento, com 70 páginas, intitula-se Normas Gráficas de Identidade. O objectivo é a regulamentação da forma como a documentação oficial terá de ser apresentada. O manual, que qualquer pessoa pode ler na Net, pretende organizar a identidade do «Governo de Portugal», isto é, as regras de apresentação gráfica, orientada por quatro princípios: Identificação, União e Coesão, Expressão de Auto-Estima e Organização. Eis o que ali se afirma à cabeça: «Decorrente destes quatro princípios, optou-se por criar uma identidade única que está presente em todas as comunicações do Governo. Ao ter uma imagem coerente, uma linha condutora comum e uma forma de expressão única, o Governo de Portugal ganha um discurso muito mais claro e efectivo junto da população e de todos os seus interlocutores. Esta identidade reflecte a relação permanente de união entre o Governo e os cidadãos que é transversal a todos os ministérios e órgãos governativos».
Mas que diabo é isto, perguntar-me-ão? Ao fim de vários dias, percebi: o governo pretende que, na papelada, os funcionários públicos usem um determinado tipo de bandeira nacional (a flutuar ao vento), um determinado tipo de letra (Trebuchet) e algumas das cores do arco-íris (as indicadas no manual). Tal é necessário, pois Miguel Relvas pretende «chegar a uma identidade una, autêntica e diferenciadora». Se alguma vez receberem um ofício que não respeite as normas, é imperioso dirigirem-se à  repartição mais próxima. Assim o exige a auto-estima do Governo.
Entre os estudos do FMI e as ordens que a sra. Merkel se prepara para nos dar, o governo está entalado. É aqui que entra o esquema de Miguel Relvas, um homem que, pelos vistos, sabe estar o Diabo nos pormenores. Os srs da troika que se entretenham com o desenho ideal do Estado português; ele ocupa-se de coisas que só na aparência são menores. Tenho contudo uma reserva: em vez Trebuchet, não poderíamos usar o Times New Roman? Apesar de não gostar de referendos, não me importa que isto seja objecto de uma votação directa feita pelos portugueses. Nos logótipos das repartições, quem manda somos nós.
«Expresso»  de 10 Nov 12          

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1 Comments:

Blogger José Batista said...

Oh diacho, eu cá gosto de usar "arial 10". Mas isso é o menos.
A Relvas o que é de Relvas. Há uma falha grande no que respeita á uniformização da burocracia estatal, certamente por modéstia.
Refiro-me ao que devia ser referido como realmente importante: uma fotografia do próprio Relvas como ícone governamental
E ao lado o seus diplomas académicos passados por aquela espécie de universidade que se há-de tornar o ex-libris das instituições universitárias portuguesas.
Tudo bem enfeitado com uma coroa de espinhos.

13 de novembro de 2012 às 20:59  

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