22.11.12

A revolta de um simpatizante

Por Ferreira Fernandes
JÁ HOUVE tempo em que me ria alto demais ao ler Les Aventures de Dieu (As Aventuras de Deus), do satírico Cavanna; hoje, a rir-me, seria olhando para o lado para não ofender alguém. 
Não sou católico nem crente em Deus, mas vivo bem com quem acredita. 
Bento XVI acaba de lançar um pequeno livro sobre, como diz o título, A Infância de Jesus. À dúvida sobre a virgindade de Maria ("Jesus foi concebido por obra e graça do Espírito Santo e nasceu da Virgem Maria?"), o Papa responde: "Sim, sem dúvida." 
Nem se me aflora um sorriso. Respeito as crenças dos outros logo que não me atropelem, e as opiniões não atropelam. Aquele "sim, sem dúvida" sobre um facto de que eu duvido, não é só que não me incomoda (é mais do que a minha tolerância que é interpelada), tem de mim o sincero apoio para que o Papa o diga. Aliás, ele devolve-me a boa vontade colocando o assunto num terreno, o da fé, que não é o meu. Ajuda-me a retirar-me da discussão. 
Há, no entanto, um pequenino ponto no novo livro que me incomoda. Bento XVI antes de o ser já era Joseph Ratzinger, reputado teólogo, e gosta de colocar as coisas em alturas a que não chego. No livro diz que na cabana onde nasceu Jesus "não havia animais." Nem burro, nem vaca, pois. A minha corriqueira crença - dessas sem epifanias nem êxtases mas sensível - sente-se ferida. E não aceito. Nos meus Natais e presépios, de simples simpatizante, continuará a haver a vaquinha e o burro. 
«DN» de 22 Nov 12

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