Maternidade Alfredo da Costa
A PRIMEIRA casa da minha filha faz hoje 80 anos. É uma efeméride comum, a
primeira casa da minha filha foi também a de muitos milhares de
lisboetas. Mas permitam-me personalizar o dia em que a minha filha
conheceu a sua primeira casa. Ela escondeu os olhos, só os conheci mais
tarde, mas até foi bom, tive todo o tempo para os dedos dela. Dos pés e
das mãos, a agarrar. Agarravam o ar disparatadamente como que a possuir a
vida. Desejei-lhe essa vontade pelos anos fora. Ela começou onde eu
queria. Numa casa com nome de um goês, puxada para a vida por um
cabo-verdiano e da barriga de uma angolana. Como eu queria. Mundo. Não
mundo ao calha, de turista. Mundo com sentido, de viajante. Prometi-me
que ela iria conhecer o sentido de aquele goês, aquele cabo-verdiano e
aquela angolana terem desaguado numa casa de Lisboa. E de ser importante
tanto o mundo quanto a âncora que a casa era. Gostei de a primeira casa
da minha filha ser uma casa amada pela cidade. Hoje, vou telefonar-lhe
para o país onde está, confirmando que a sua primeira casa vai fechar.
Ela vai perguntar-me porquê. Eu vou dizer-lhe que não sei, mas parece
que tem de ser, números. Coincidência, números é aparentemente a
profissão que ela escolheu. Sobre o destino da primeira casa da minha
filha não posso nada. Sobre a minha filha posso, vou dizer-lhe outra vez
aquilo que ela sabe: nunca podem ser só números.
«DN» de 5 Dez 12 Etiquetas: autor convidado, F.F
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