Refutação ao tempo
Por Baptista-Bastos
MEU DILECTO: É verdade que, por vezes, sou tocado por funesta
tristeza. E penso que a minha prosa devia, talvez, ser levada para
paragens mais alegres. Mas a época é pesada e trágica, não gosto do que
vejo e sinto, e, mesmo com o apoio dos meus eventuais merecimentos,
soçobro na melancolia. As forças que me confrontam possuem, actualmente
um poder ilustrativo do meu descontentamento e das minhas decepções. Mas
não desisto. Venho de longe, do desafio de todas as lutas, dos
escombros de todas as derrotas e do recomeço de todos os combates. Sei
que a frase comporta, em si, algo de bravata, porém as coisas foram
assim, e o riso dos enfatuados possui algo de indecoroso.
Meu Dilecto:
A
prova de que estes, os de agora, não venceram, ao contrário do que
julgam e proclamam, é a sanha persecutória com que agem. Tentam apagar
os nossos símbolos, desprezar o nosso património moral, passar ao lado
dos nossos castelos, escarnecer das nossas bandeiras. A história do que
têm feito resulta num rasto de sangue, de miséria e de afronta à
condição humana. "As direitas sempre se uniram para o mal", escreveu
Maurice Merleau-Ponty (Humanisme et Terreur), que temos a
obrigação de recuperar do silêncio e das sombras com que o envolveram. A
desilusão que o grande filósofo sofreu, posteriormente, não obriga a
que o projectemos no limbo. E essa desilusão possui algo de trágico
porque configura parte das nossas decepções actuais. Não vale a pena
chorar no leite derramado, dizem. Mas calar as incertezas do conflito e a
decência de uma luta constantemente desigual constituiria a abdicação
da nossa ética. Ter passado é conter lastro, haver história, retribuir
ao tempo o que o tempo nos prometeu. Estes biltres que nos governam nada
respeitam, nem, sobretudo, o papel dos sentimentos e das emoções,
esvaziando de sentido o princípio democrático, para o preencher com
negócios, com a adulteração do conceito de «legalidade» substituindo-o
por um autoritarismo fascista.
Meu Dilecto:
Quando um
primeiro-ministro, este, diz que os reformados já receberam mais do que
as verbas por eles descontadas, a frase deixa de constituir uma questão
semântica para configurar a mais desprezível vilania. Este homem não é
digno de nos representar, em circunstância alguma. Mas ele vai passar,
deixando um traço de ignomínia e uma soma de vergonhas morais, a começar
pelas suas mentiras, continuando pela sua frondosa incompetência e
terminando na leviandade dos juízos. É um subalterno. A voz não lhe
pertence, as ideias são de outros.
Meu Dilecto:
O que esta
gente nos trouxe de miséria, de descrença, de desapontamento, de fome de
ser e de angústia de não podermos estar, comporta um peso, uma culpa
inaudita na nossa história recente. Contudo, estamos aqui, para o que
der e vier. Até já!
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo acordo ortográfico.
«DN» de 26 Dez 12
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