12.3.13

«Dito & Feito»

Por José António Lima
MÁRIO SOARES entende que, face às manifestações do passado sábado e ao protesto das ruas, «o Governo perdeu a legitimidade democrática» e «tem de se demitir».
Estranha concepção de democracia esta, vinda ainda por cima de quem enfrentou há 30 anos, quando primeiro-ministro, indignadas e estridentes manifestações de rua contra o seu Governo – sem que, então, lhe tenha passado pela cabeça a mais leve ideia de se demitir.
A verdade é que o Governo PSD/CDS dispõe de uma clara maioria parlamentar que o apoia, escolhida pelos eleitores há menos de dois anos – e, de acordo com as regras de uma democracia civilizada, só cairá antes das legislativas de 2015 se a coligação entrar em ruptura. A verdade, também, é que ninguém esperava – nem o Governo, nem a Oposição, nem Mário Soares – uma legislatura fácil, sem aumento de impostos, sem crescimento do desemprego ou sem contestação nas ruas.
E a verdade, por outro lado, é que a dimensão das manifestações do dia 2 foi amplamente exagerada. Em Lisboa, por exemplo, terão estado, de acordo com as imagens aéreas de um Terreiro do Paço cheio de clareiras e com as áreas desta praça e ruas afluentes (Av. Liberdade, Restauradores, Rossio, Rua do Ouro, e Rua Augusta), segundo cálculos realistas e pouco conservadores, menos de 200 mil manifestantes. Muito longe, portanto, do número estratosférico de meio milhão ou da posterior e delirante estimativa de 800 mil inventada pelos promotores e que grande parte da comunicação social deu como verdadeira (sem qualquer distanciamento crítico, objectividade ou critério deontológico).
São muitos manifestantes, sejam 70 mil, 500 mil ou 150 mil. E muita e compreensível indignação. Não é isso que está em causa. O que está em causa é o basismo antidemocrático em que Soares agora decidiu alinhar. Segundo ele, bastam 200 mil ou 300 mil manifestantes – ou seja, basta o Bloco de Esquerda mobilizar num protesto de rua os seus 280 mil eleitores – para obrigar um Governo legitimamente eleito a demitir-se. Bela concepção de democracia representativa, esta que Mário Soares agora advoga. E «se não for a bem – enquanto o ‘Povo é sereno’ – será a mal», ameaça Soares. A rua é quem mais ordena. E que se lixe a democracia!
«SOL» de 8 Mar 13

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