Um Estado Imoral
Por Maria Filomena Mónica
O PRESIDENTE da República acaba de aprovar o Orçamento Rectificativo de 2014, que inclui, entre outras coisas, novos cortes nas reformas. Apesar de a minha relação com o Estado ter sido invariavelmente má, nunca fugi aos impostos. Sempre os paguei, a fim de os meus compatriotas poderem ter um sistema de educação, um serviço nacional de saúde e uma rede de tribunais de que nos pudéssemos orgulhar. E que vejo eu? O governo entrega dinheiros públicos a escolas privadas, o serviço nacional de saúde corre o risco de perder qualidade e os tribunais deixam prescrever processos de gente tão poderosa quanto os administradores do BPN, do BPP e do BCP. Mais, a fim de salvar as chafaricas que dirigiam, o Estado já gastou cinco milhões de euros com aqueles patriotas: para nós, os velhos, não há dinheiro, mas ele existe para Oliveira Costa, João Rendeiro, Jardim Gonçalves & Associados.
Trabalho desde os 19 anos, tendo-me, pelo meio, licenciado. Em 1971, com o objectivo de me doutorar numa Universidade prestigiada fiz o maior sacrifício da minha vida: estar sem os meus filhos durante seis meses. Depois, realizei todas as provas necessárias para chegar a catedrática. Até que, furiosa com uma lei que punha em causa a autonomia universitária, optei por me reformar. Por natureza frugal, a reforma dava-me para viver. Pensei que tudo se manteria igual até à minha morte. Afinal, o Estado dera-me a sua palavra de honra, não dera? Enganava-me.
Dou um salto até Espanha, um país governado por gente com quem não tenho afinidades, mas que trata os seus cidadãos melhor do que Portugal. A minha irmã Isabel vive ali há cinquenta anos. Eis o início da carta que, a 3 de Janeiro deste ano, recebeu: «Estimado/a Pensionista: após um ano, de novo entro em contacto consigo para lhe dar informações sobre a revalorização da sua pensão durante o ano fiscal de 2014. A 1 de Janeiro, a sua pensão aumentou 0,25%. Quero ainda informar que entrou em vigor uma nova forma de revalorização das pensões e subsídios do sistema público da Segurança Social, que garanta que as pensões subirão todos os anos seja qual for a situação económica e que nunca poderão ser congeladas». Assina Fátima Báñez Garcia, Ministra del Empleo y de Seguridad Social.
No que me respeita, tudo quanto recebo são papeluchos da Caixa Geral de Aposentações, onde, em várias colunas, aparecem «Abonos» e «Descontos». Tais e tão confusos são os números que pensei estar a pagar 1.550,00 para o Supermercado Continente, o me espantou, visto não costumar ir a supermercados (tratava-se de uma coisa chamada IRS-Continente). Sobre o motivo por que apareciam três pagamentos para a ADSE e umas linhas com uma Cont. Ext. Solid, nada me era dito. Continuando a olhar os números, verifiquei que metade da minha reforma reentra imediatamente nos cofres públicos e que, desde 2007, o corte fora, em termos líquidos anuais, de 30%. Há tempos, o Primeiro-Ministro declarou que afinal os cortes «provisório» eram «definitivos». Alguém protestou? Não. Portugal é hoje um país de mortos.
«Expresso» de 22 Mar 14 Etiquetas: FM
1 Comments:
Fiquei destroçado com a história da Mónica
Principalmente por saber que a Senhora vive com um marçano (certamente bem pago),de um merceeiro muito conhecido.
Não há solidariedade nas classes abastadas?
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