22.11.14

Dos Dourados ao BES

Por Antunes Ferreira

ZANGAM-SE as comadres, dizem-se as verdades. O ditado precisa de adaptação aos dias de hoje e basta um ponto de interrogação no seu final para a coisa estar feita; Zangam-se as comadres, dizem-se as verdades?
A comissão de inquérito parlamentar sobre os infelizes Vistos Gold ainda vai ter de suar as estopinhas durante muito tempo, quiçá a legislatura não chegue. O que, sendo lamentável, não é difícil. Marcelo Caetano dizia nas suas aulas, ouvi-o eu, que em Portugal quando se nomeia uma comissão é muito raro ela chegar ao fim e muito menos a conclusões definitivas. Tinha razão o herdeiro do dr. Salazar? Parece-me que sim, ainda que me tenha chumbado em Direito Administrativo…
Até à data (escrevo na sexta-feira, 21) há uns quantos suspeitos de desonestidade e sobretudo corrupção – activa e/ou passiva – aliadas a trocas de influências, manejos políticos, e quejandos, em prisão preventiva; mais precisamente cinco. São pessoas importantes, actores e decisores políticos a um nível muito alto. A Polícia Judiciária fez (e faz) buscas domiciliárias, a locais de trabalho, a tudo cheira mal. Nunca as mãos lhe doam.
Mas tem-se debatido com circunstâncias indescritíveis, como por exemplo computadores de suspeitos absolutamente “limpos” cuja “limpeza” fora mandada fazer por outros suspeitos, aparentemente nos “termos da lei” expressão utilizada mas com muitos sentidos. São considerados “normais”, mas com vírgulas a mais, o que resulta em buracos por entre os quais se foge sinuosamente, mas sempre explicado na base das disposições “nos termos da lei”
Todos sabemos que a corrente parte sempre pelo elo mais fraco; no caso dos sinistros Vistos Dourados, ela quebrou-se por elos mais fortes. Ou, pelo menos, por gente que acreditava que vivia nos cornos da Lua, que se considerava insuspeita de qualquer pecado. Mas, quando a ponta do icebergue apareceu foi o princípio de um afundamento impossível. Ter-se-ão esquecido do caso Titanic, ou nem sequer sabiam dele.
Deste imbróglio parecia não poder-se escapar. Fazia sentido recordar o labirinto de Creta em que reinava o Minotauro que comia todos os que o tentavam eliminar. Julgava-se o misto de corpo de homem e cabeça de touro que era impossível vencê-lo; mas um dia apareceu o herói Teseu que, superando o que Dédalo construíra, eliminou o Monstro. Acabara o impossível…
Porém a comissão de inquérito decidiu ouvir o cidadão que trouxera os Dourados para Portugal, o seja Paulo Portas, que, curiosa coincidência, também é vice- Presidente do Conse,…, perdão, vice primeiro-ministro deste (des)Governo; poderia perfeitamente não ter lá ido, mas num verdadeiro rasgo de urbanidade, solidariedade e patriotismo foi declarar que sim, que os desgraçados Vistos eram muito importantes para trazer investimentos em Portugal.
Se acabassem com eles, os “investidores” iriam “investir” para outros países que também os concedem e acabava-se o investimento para o progresso e desenvolvimento do país e para salvar a construção civil que estava de rastos. Quando ao progresso e desenvolvimento do país estávamos (e estamos) conversados. Já no que respeita à construção civil são outros quinhentos mal réis.

Na verdade os “investidores” dourados vêm comprar a um belo preço imóveis. Dizem que o fazem para lavar dinheiro sujo, desde chineses até angolanos com ucranianos e quiçá russos à mistura. Mas não há provas em “termos legais”. Boa maneira de desenvolver Portugal e alavancar o seu progresso técnico, tecnológico e mais, nos domínios da ciência, da indústria, da agricultura e do berlinde às três covas, principalmente este que é altamente deficitário entre nós.
Lê-se, ouve-se e vê-se o que os órgãos de comunicação benignamente nos ofereceram – pagos – e começa a descobrir-se que os Vistos Gold são uma panaceia universal, no mínimo para Portugal. Nós, os portugueses, andávamos (quase) todos enganados sobre o valor e a bondade deles. Ainda [está para] durar a trabalheira atribuída à comissão parlamentar de inquérito. Só em audições espera-se [que] demorem tanto – ou mais – do que a que [teve] a tarefa de investigar a gigantesca fraude do Espírito Santo (não me refiro ao da Santíssima Trindade) que é quase Deus pois está por toda a parte como um polvo tsunâmico com montanhas de tentáculos.
Há quem lhe chame Hidra, por mor das muitas cabeças que fazem parte dele, mas de uma maneira ou doutra está para durar até às calendas – se a PJ deixar ou se deixarem a PJ continuar. A investigar.

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