26.7.18

A fé e o suborno

Por C. Barroco Esperança
A mãe que reza um terço para que o filho passe no exame está a meter a cunha à santa para que influencie o júri que o há de avaliar.
O construtor civil que manda o cabaz de Natal ao engenheiro da Câmara, agradece o último andar do empreendimento, que não constava do projeto inicial.
O funcionário que promete ir a Fátima, se for promovido, quer apenas que a Senhora se lembre dele para a vaga que, por mérito, pertenceria a um colega.
O cordão de ouro que a minhota deixou no andor do Senhor dos Passos para que o seu homem abandonasse a galdéria que o transtornou e voltasse para ela, imagina que, sem a renúncia ao ouro, o Senhor não lhe levaria de volta o bandalho do marido.
Sempre que há promessas para obter do santo, especializado em certo tipo de subornos, um qualquer benefício, é a admissão do carácter venal da Providência. É o cabrito que se manda ao chefe na véspera das atualizações salariais.
Ao santo pede-se que interceda junto de Deus para fazer ao mendicante o que não faz a outros. Ao chefe solicita-se que trame o parceiro em benefício próprio.
Portugal é um país venal, de pequenas e vis corrupções, feito à imagem da religião que o formatou, espécie de marca que indica a ganadaria de origem e reparte os portugueses por paróquias e dioceses como animais da respetiva quinta.
Que pode esperar-se da Igreja do Papa JP2 que acreditou que a Virgem lhe dirigiu a bala por sítios não vitais poupando-o a ele sem dele poupar os crédulos?
A mentalidade beata cria gente que vê o empenho, suborno e compadrio como virtudes canónicas, que levam as pessoas a condutas que lhes ensinaram a ter com Deus.
Felizmente ainda há gente séria. O mesmo não se pode dizer da fauna mística que povoa o Paraíso, para onde se viaja através de agiotas, à custa de missas, terços, oferendas e da renúncia aos prazeres da vida.
A ligeireza ética é uma consequência da mentalidade autóctone, que nos remete para as “Causas da Decadência dos Povos Peninsulares”, bem analisadas por esse grande vulto da cultura portuguesa, Antero de Quental, na 2.ª das históricas Conferências do Casino.

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6 Comments:

Blogger José Batista said...

Três discordâncias:

- comparar religião a uma espécie de ganadaria (embora as haja piores do que isso...);
- em que difere a divisão das pessoas por paróquias da divisão por freguesias ou concelhos ou partidos políticos ou associações cívicas ou desportivas etc, etc?
- e se uma minhota ou qualquer portuguesa entende que o seu ouro entregue (supostamente) a um santo lhe traz de volta o marido, porquê chamar bandalho a esse marido? (esta é mais para rir...)

Mas o problema de fundo é real e inquestionável. E muito mais porque me parece intrínseco à natureza humana, que é como é.

26 de julho de 2018 às 13:10  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Eu pegaria num outro exemplo: o de Scolari a apelar à Virgem de "não sei quê" para metesse uma cunha ao Criador para ele ajudar a Selecção, podendo pôr em conflito "outras Nossas Senhoras" convocadas por outras selecções.
Isso faz-me lembrar as discussões entre beatas, quando elas discutem se a "Nossa Senhora X" é melhor ou pior do que a "Nossa Senhora Y"...

26 de julho de 2018 às 20:46  
Blogger Pi-Erre said...

O ateísmo é uma religião.

27 de julho de 2018 às 13:10  
Blogger Carlos Esperança said...

Pi-Erre:

Todos somos ateus em relação à religião dos outros.

27 de julho de 2018 às 15:12  
Blogger Pi-Erre said...

"Todos somos ateus em relação à religião dos outros."

Isso dizeis vós, claro. Eu, pelo contrário, digo que sois uma religião.

30 de julho de 2018 às 20:51  
Blogger Ilha da lua said...

Tudo se resume no respeito pela fé de cada um É tão arrogante um crente que menospreza um ateu ,como um ateu que menospreza um crente...Nas camadas mais eruditas sempre houve e continua a haver,crentes e ateus

7 de agosto de 2018 às 23:20  

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