14.9.18

A sociologia do salto alto

Por Joaquim Letria
Depois das botifarras Doc Martens, tipo bota da tropa, que há tempos as jovens tanto gostavam, a moda do salto alto não desaparece e até se agudiza à finura do salto–agulha de 15 ou 17 centímetros. Tenho algumas amigas a quem, para lhes oscular o rosto com amizade, quase tenho de trepar para um banquinho de modo a ficar à altura.
Colin McDowell, um filósofo do calçado e da sensualidade, no seu tratado "Shoes, Fashion and Fantasy" (Thames & Hudson) não hesita em escrever que as mulheres nunca dispensarão o salto alto pela simples razão de que lhes evidenciam as ancas, favorecem os tornozelos e fazem parecer que têm as pernas mais longas.
McDowell concorda com a sua colega Beatrice Faust, autora de “Mulheres, Sexo e Pornografia”, que escreve que os saltos altos não só fazem as mulheres parecerem sexy  “mas também fazem que se sintam sexy”. Ambos ignoram, mas todos nós também sabemos que assim é, que os saltos altos fazem as crianças sentir-se adultas, ainda que por efémeros momentos, daí qualquer menina tomar de empréstimo os sapatos da mãe e com eles tarocar pela casa fora ou simplesmente se ver e admirar ao espelho.
Evidentemente que no fetichismo do calçado, o salto alto é associado ao poder, à dor e à dominação, pois não se vê filmes ou erótica em geral sem uma mulher vestida de latex a desfrutar da crueldade e a infligir o prazer da dor, brandindo o chicote e pisando o comparsa de saltos rasos.
Claro que a cor também é muito importante. O vermelho e o negro são as cores mais importantes e hoje até a sola vermelha é uma imagem de marca como Christian Loubotin pode comprovar de modo indesmentível.
Como aqui fica demonstrado, os sapatos de saltos altos das minhas amigas bem podem levar-nos muito longe, sem termos de chegar aos mocassins vermelhos do papa Bento XVI que o cardeal Ratzzinger não se dispensou de impor com a sua meia branca. Nem temos de recordar o padecimento das jovens chinesas que viviam num doloroso aperto para ficarem com pés minúsculos, com os quais davam o seus curtos e graciosos passos que as faziam parecer avezinhas esvoaçando em redor dos seus senhores.
Lamento é que exportando nós tanto e tão bom calçado, algum até usurpado por marcas de renome suíças, inglesas e italianas, não tenhamos um único sociólogo ou um psicólogo a ajudarem os estilistas e fabricantes portugueses. E quando estes académicos  se debruçam sobre o calçado é para irem ao tempo da outra senhora e nos falarem das botas que chegaram a justificar a alcunha  do Dr. Oliveira Salazar.
Publicado no Minho Digital

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5 Comments:

Blogger 500 said...

"jovens chinesas" ou "japonesas"?

14 de setembro de 2018 às 16:36  
Blogger SLGS said...

500, creio que chinesas. Viu "A Pousada da 6ª Felicidade"?

14 de setembro de 2018 às 18:17  
Blogger 500 said...

Talvez esteja errado, sim. Recordo vagamente o filme. Obrigado

14 de setembro de 2018 às 23:24  
Blogger José Batista said...

Um grande texto. Parabéns ao J. Letria, que continua em forma.

15 de setembro de 2018 às 12:09  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Sim, a compressão dos pés das jovens (enfaixando-os) era na China

16 de setembro de 2018 às 17:42  

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