11.3.19

A Violência Doméstica

Por Filomena Mónica
O número de feminicídios, a palavra horrível usada para designar o assassinato de mulheres, aumentou inexplicavelmente este ano. Durante o passado mês de Janeiro, foram assassinadas pelos maridos ou amantes 9, repito, 9 mulheres vítimas de machos enraivecidos. Isto tendo apenas em conta, note-se, as mortes como tal apuradas. Em 2018, haviam sido assassinadas 28, pelo que é razoável presumir que este número crescerá no corrente ano. Mas nem sempre uma má relação conjugal termina em crime. Há muitas mulheres que toda a vida levaram «porrada», porque às suas mães e avós sucedeu o mesmo. 
Importa não esquecer que é preciso coragem para se ir a uma esquadra e para ,depois, sobreviver ao labirinto jurídico em que estas mulheres se vêem envolvidas sem que, no final, lhes seja feita justiça. Em 2017, último ano para o qual há dados definitivos, das 26.713 queixas de violência apresentadas, apenas 4.465 (17%) deram origem a uma acusação do Ministério Público e, dessas, apenas 1.457 terminaram em acusação. Além disso, a maioria dos agressores ficou com pena suspensa, ou seja, só 119 dos homens foram condenados a prisão efectiva (8%). 
Como explicar tal número de arquivamentos? Por um lado, pode haver falta de provas, por outro, muitas vítimas, com medo de eventuais represálias, acabam por preferir não testemunhar. Há ainda a convicção generalizada de que «entre o marido e a mulher não metas a colher», um provérbio aberrante e, finalmente, o inacreditável machismo dos juízes portugueses. A cabecinha delirante do juiz Neto de Moura não é caso único. Leia-se o recente acórdão do Tribunal de Viseu, no qual se diz não ser crível que uma mulher «autónoma» e «não submissa» - no caso uma fisioterapeuta – aceite ser espancada. 
Seja qual for o prisma através do qual olhemos estes casos, trata-se de um escândalo contra o qual devemos lutar. O governo prometeu atribuir 300.000 euros para «mudar a cultura machista junto das crianças». Mas a mentalidade chauvinista é, entre nós, tão profunda que duvido que uma sessão de esclarecimento sirva para o que quer que seja. O mal radica no ar que se respira. 
A agravar a situação, o Estado não aplica as leis que promulgou, como se constata pela leitura dos relatórios produzidos desde 2017. A medida de afastamento do agressor da casa de família, que existe desde 1991, raramente é imposta, video caso envolvendo Manuel Maria Carrilho e Barbara Guimarães. 
Dizem-me que casos de violência doméstica existem tanto nas classes altas como nas humildes. Seja como for, não podemos encarar este tipo de violência com a resignação ancestral. Hoje, há mais mulheres a trabalhar, o que lhes permite sobreviver sem os covardes que, como forma de curar as suas frustrações, espancam quem é fisicamente mais fraco. Compete ao Estado amparar estas vítimas e a nós convencê-las que tiveram razão em abandonar os brutamontes com quem viveram.
Publicado no Correio da Manhã em 3 Mar 19 com o título «No País do Fado Marialva»

Etiquetas:

2 Comments:

Blogger Ilha da lua said...

A violência doméstica,além de ser escandalosa,é um crime público, que é preciso denunciar e contra o qual é preciso lutar O assassinato de 12 mulheres desde o início do ano até agora,nào pode deixar ninguém indiferente! A justiça deve ser célere e ter mão pesada Os agressores devem ser retirados de casa e nào as vítimas Enquanto o processo corre devia ser obrigatório o uso da pulseira electrónica No caso,de existirem filhos o agressor deveria continuar a prover o sustento das crianças Mas para isto era necessário uma justiça que funcionasse correctamente e com rapidez

11 de março de 2019 às 16:00  
Blogger José Batista said...

Muito bem, quer o texto quer o comentário.

12 de março de 2019 às 20:59  

Enviar um comentário

<< Home