14.9.20

No “Correio de Lagos” de Ago 20

 

É  DE  ALMANAQUE!

 

SENDO toda a minha família do Porto — onde nasci — e tendo ido morar para Lisboa quando ainda mal sabia andar, a minha vida, durante décadas, decorreu alternadamente entre essas duas cidades, com as minhas estadas no Norte a coincidirem com as férias escolares que, todas somadas, perfaziam uns saborosos quatro meses por ano. 

Ora, de entre as muitas recordações que guardo desses bons velhos tempos, assume lugar de destaque a chegada, precisamente nesta época do Verão, do “Almanaque Bertrand” — algo que só pode entender quem conheceu essa publicação:

Com a sua colorida capa cartonada (e com um papel, grafismo, formato e peso ideais para uma boa leitura), toda a família o disputava, não só porque, nessa época, poucas distracções havia, como porque, dentro do género, era o que se fazia de melhor.

Ora vejam só: eram quatro centenas de páginas repletas de anedotas, passatempos, adivinhas, curiosidades, extractos de clássicos da Literatura, charadas, conselhos práticos, horóscopos, rifões, concursos, truques de magia, fotogravuras de acontecimentos históricos, de celebridades, de obras de arte, de monumentos e de paisagens... e por aí fora, com uma particularidade a que só muito depois dei o devido valor: é que nunca — mas nunca! — se encontrava neles uma gralha, muito menos um erro de ortografia!

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MAIS tarde, na sequência de umas dolorosas partilhas, calharam-me todos os exemplares que havia na casa da minha avó, o que, como se imagina, fez recair sobre mim a maldição que assombra todos os coleccionadores: sim, como podia eu suportar o facto de ter, p. ex., todos os números entre 1920 e 1933, excepto o de 1922?! Portanto, o que se seguiu nem precisaria de ser dito: passei a trazer comigo a lista dos que me faltavam e, quando dei por mim, já era um velho conhecido de todos os alfarrabistas de Lisboa e arredores, onde aparecia a meter o nariz nas prateleiras mais esconsas e poeirentas e recorrendo, nos casos mais difíceis, a anúncios de jornal. E quando, feliz da vida, conseguia descobrir uma dessas preciosidades, digitalizava carinhosamente as ANEDOTAS ILUSTRADAS, que iam de imediato enriquecer uma página de internet criada propositadamente para elas (*).

Essas anedotas, quase todas importadas de publicações estrangeiras, eram verdadeiras obras de arte, com uma qualidade gráfica excepcional ao serviço de um humor inteligente, não faltando as que se mantêm perfeitamente actuais, incluindo muitas de fazer arrancar os cabelos aos tontinhos do “politicamente correcto”.

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SUCEDE que, este mês, pensei que ficaria bem aqui qualquer coisa que, para além de ser original, evitasse o tema das agruras “covídicas” e também se relacionasse com a realidade lacobrigense.

Lembrei-me, então, de dar uma vista de olhos nesse arquivo de velhas anedotas, e o certo é que, em pouco tempo, já tinha um bom lote das que satisfaziam esses critérios; o pior foi quando tive de escolher apenas uma, pois elas eram tantas, que não conseguia decidir-me a tempo desta edição do Jornal, pelo que resolvi esquecer o “HUMOR ANTIGO” e fazer uma busca no meu outro arquivo de “HUMOR MODERNO” — uma escolha que também não foi fácil, mas acabou por recair na foto que aqui divulgo, a “passadeira louca” da Rua D. Vasco da Gama, exemplar perfeito de “humor do absurdo”, que fala por si e pelos “artistas” envolvidos, e que, pelo menos até à data em que escrevo, sobreviveu às intervenções que estão a ser feitas por toda a cidade; e faço votos para que assim continue, não só porque é um valioso atractivo turístico, como pelo facto de contribuir para a nossa boa disposição — o que, nos dias que correm, é algo que não tem preço!

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(*) — humorantigo.blogspot.com

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“Correio de Lagos” de Agosto 2020

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