19.11.20

EUA – A derrota de Donald Trump e as oportunidades para a UE

Por C. B. Esperança

Não foi a vitória de Biden que me empolgou, foi a derrota de Trump que encantou e me fez voltar a acreditar que os EUA são regeneráveis.

Por maiores defeitos que se tenham entranhado no tecido social de um país de injustiças sociais gritantes, o amor à liberdade e a coragem de jornalistas, capazes de pararem uma conferência convocada pelo PR, redimem. Quando Trump debitava mentiras, foram-lhe silenciados os microfones e os telespetadores prevenidos de que estava a “fazer falsas declarações”. Não foi a decisão de um jornalista suicida, na própria Casa Branca, foram três cadeias de televisão generalista, ABC, CBS e NBC. Isto é motivo de esperança.

É surpreendente que um país cuja independência foi proclamada por agnósticos maçons, fugidos das guerras religiosas da Europa, se tenha tornado feudo do fundamentalismo evangélico, e que um país, criado por imigrantes, atinja níveis de xenofobia intolerável. 

Por ignorância e maldade, o isolacionista Trump, foi aliado objetivo de Erdogan, proto-califa promotor de secessões na Europa e na Rússia, acicatando o Islão contra a unidade da UE e a da Federação Russa, numa casual ou deliberada coincidência de objetivos.

Um governante não pode ser julgado só pelas guerras em que se envolve, mas pelas que provoca e consequências geopolíticas que gera. Sem visão, a política de Trump, dita de paz, foi prejudicial à escala global e funesta no Médio Oriente. O apoio à Arábia Saudita e os acordos contranatura que impôs a favor de Israel são mais rastilho de novas guerras do que acordos de paz.

Após a derrota nazi/fascista, a tragédia europeia consumou-se com a divisão em blocos, que alimentaram a guerra fria. A cómoda dependência da proteção militar americana e o alinhamento sistemático da política externa do Reino Unido com a dos EUA fizeram da Europa ocidental um protetorado dos EUA. Depois da tragédia do desmembramento da ex-Jugoslávia sucedeu a trágica divisão da Sérvia e, mais recente, a instrumentalização da Ucrânia contra a Federação Russa, ignorando que a Rússia, não a URSS, nasceu na catedral de Kiev, tal como a Sérvia tem raízes no Kosovo.

A Europa beneficiaria se não tivesse hostilizado a Rússia, que integra o mesmo espaço civilizacional. Tornou-se satélite dos EUA e a incubadora das bases militares da Nato para a cercar. Ficou sem préstimo relevante na geoestratégia mundial, apesar de ter um PIB e população superior aos EUA.

Trump quis dividir a UE, com Steve Bannon a promover o fascismo e os nacionalismos. A debilidade da Europa não começou com Trump, mas teve nele um forte entusiasta.

A UE deve continuar a aprofundar a integração económica, social e política, onde já deu relevantes passos após a pandemia, e criar uma autonomia diplomática e militar comum, construindo a cidadania europeia, que tanta agasta sectores de direita e de esquerda, que constitua uma vacina para os nacionalismos que a corroem e ameaçam.      

Espera-se de Biden o fim da hostilidade à UE e apoio à extrema-direita, a reversão da saída do Acordo de Paris sobre o clima e o regresso ao acordo nuclear com o Irão, ao apoio à OMS e à ONU, assim como a revisão da política do Médio Oriente e do apoio incondicional a Netanyahu na Palestina.

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