Os media, em geral, a RTP, em particular, e as notícias
Por C. B. Esperança
É deprimente ouvir e ler opiniões disfarçadas de informação e, sobretudo, suportar mais de uma hora de noticiários, onde o relevo dos palpites dos néscios de ocasião rivalizam com os pareceres dos cientistas.
A exibição das desgraças, o gosto do terror e o tom de relato desportivo acompanham os noticiários. No aniversário do primeiro doente diagnosticado com a Covid-19, a RTP-1, no telejornal das 20H00, fez da data comemoração. José Rodrigues dos Santos exultava a indicar em gráficos os piores momentos, e gritava em apoteose: “fomos os piores do mundo”.
Tem faltado compostura na referência ao número de mortos e a internados nos cuidados intensivos, serenidade na informação e respeito pelos convidados especializados quando divergem do catastrofismo que o jornalista de turno deseja.
Foi obscena a falta de pudor com que se exibiram doentes no interior de Urgências e nos corredores dos hospitais, onde faltava espaço para acudir a uma situação anómala e cabia sempre mais uma câmara de televisão a devassar a intimidade de quem sofria.
É incrível a quantidade de ignorantes que censuram os serviços de Saúde e os seus mais destacados dirigentes, as desgraças que contam, as opiniões que emitem e os conselhos que deixam a um SNS que, apesar de tudo, tem resistido a tão rude prova. Não são as declarações dos especialistas que interessam, são os palpites dos alarmistas, depois de abrandar o terror e desespero que criaram aos utentes dos lares e aos familiares, agora que os riscos diminuíram e foram prioritários na vacinação.
As notícias do mundo são parcas e esporádicas; desapareceu o drama humanitário dos refugiados afogados no Mediterrâneo; o genocídio efetuado no norte de Moçambique, por milícias islâmicas raramente é referido; até as guerras, que perduram, alheias à pandemia, deixaram de merecer atenção.
As boas notícias, que as há, ficam omissas ou passam despercebidas no espetáculo dos horrores. Recentemente, passou despercebida uma vitória notável da presidência portuguesa da União Europeia. Conseguiu-se, pela primeira vez, apoio de larga maioria de países para avançar com uma diretiva europeia. Pedro Siza Vieira obteve avanços no dossiê que prevê que “as grandes sociedades que operam no espaço europeu e que são cotadas publiquem, juntamente com os seus relatórios e contas, informação sobre o volume de impostos que pagam e também onde pagam”.
Este esbulho de países onde as multinacionais, incluindo algumas portuguesas, têm sede de conveniência, é um roubo que, segundo os dados de Bruxelas, custa aos países da UE cerca de 50 a 70 mil milhões de euros por ano.
A melhor e mais aliciante notícia da UE, onde Portugal foi decisivo e elogiado, passou despercebida, se é que foi referida nas televisões.
Há um gosto doentio em salientar desgraças e silenciar vitórias, talvez por masoquismo ou medo de suspeitas de cumplicidade com o poder, e a informação que nos servem é tóxica e intolerável.
Ponte Europa / Sorumbático
Etiquetas: CBE
6 Comments:
Subscrevo totalmente. Parabéns pela lucidez que motivou tão excelente texto.
Sim, é este o panorama.
Acrescentaria apenas que há excesso de "especialistas" nos telejornais, o que inclui a presença de políticos muito activos e com interesses próprios, não propriamente informativos, como P. Portas e Marques Mendes. É caso para perguntar para que servem e que (des)prepração têm os jornalistas da actualidade, que tantas saudades nos fazem ter de Joaquim Letria, por exemplo. Depois há o atabalhoamento, o erro (um dia destes, num "telejornal" referia-se a importância de "Marie Curiê", pronunciada assim, repetidamente) e o espalhafato muito característico, por exemplo, no modo frequente como José Rodrigues dos Santos dá ideia de ir esticar o pescoço até fazer saltar a cabeça para fora da pantalha.
Também subscrevo. É um pesadelo o R. dos Santos a "enaltecer" as desgraças, além de, diz ele, nada tem a haver uma coisa com a outra.
Um texto de uma enorme sensibilidade e lucidez! Também subscrevo completamente.
Prezados comentadores,
Agradeço a todos a amabilidade de exprimirem a opinião. Respeitá-la-ia igualmente se fosse desfavorável, mas é um estímulo para quem escreve sentir a solidariedade de quem lê.
«excesso* de "especialistas" nos telejornais»
*Miséria de comunicação oficial por parte de um gabinete do ministério.
Contratam-se tantos técnicos ou especialistas para as campanhas eleitorais,sem recursos no ministério para um gabinete de informação pública?
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