29.10.21

O chumbo do OE-2022 – Até aqui cheguei…

 Por C. B. Esperança

Hesitei entre o título «J’accuse…», do artigo de Émile Zola na sequência do caso Dreyfus e o desabafo de José Saramago perante a prisão política de mais um intelectual por um regime que defendia. Optei pelo segundo, mais de acordo com a revolta sentida com o chumbo do OE-2022, no rescaldo da maior crise económica, financeira, social e sanitária de um século, e cujo desfecho é ainda imprevisível.

Não me senti desiludido. A desilusão é o argumento romântico que os trânsfugas usam para justificar uma deserção. Eu não desertei nem mudei de campo. Sinto revolta pelo desfecho da votação e uma enorme solidariedade por António Costa, que arrostou com o azedume e a chantagem de Cavaco Silva para provar que a direita não tem o alvará para decidir a dimensão do Arco do Poder, tal como nenhum partido de Esquerda o tem para rotular quem é ou não de esquerda e, muito menos, quem é democrata.

A decisão feriu interesses dos mais necessitados, do país, dos autarcas, e o bom senso. Um orçamento que podia ainda ser melhorado em fase da especialidade, mesmo pelos que julgam que todos os limites são possíveis, do endividamento ao défice, da utopia ao aventureirismo, podiam ainda obter ganhos. Preferiram chumbar, sem apelo, o OE. 

António Costa, desde o princípio balizou como linhas vermelhas a fidelidade à União Europeia e à Nato, objetivos que cumpriu, e levou longe os entendimentos à esquerda, cuja preferência não escondeu. Ninguém o pode acusar de incoerência ou deslealdade.

Ontem, pareceu-me ver a doença infantil do comunismo e o aventureirismo trotskista de mãos dadas contra os interesses do País, dos mais pobres, dos autarcas e do futuro dos partidos à esquerda do PS na construção de soluções onde fazem falta. Lenine segredou o seu sarcasmo à revolução permanente trotskista, “tagarelice permanente”. 

António Costa resgatou para as soluções do País os partidos ostracizados, levou para o Conselho de Estado representantes seus, deu-lhes primazia nas negociações orçamentais e, enquanto o BE fez do PS o inimigo principal, o PCP acabou por se lhe associar nesta insensatez da Esquerda portuguesa. Não houve autocrítica à erosão das autárquicas, que debilitou todos os partidos de Esquerda.

Nunca a direita recebeu tão chorudo e entusiástico prémio como o que lhe foi oferecido pelo chumbo do Orçamento mais à esquerda que já foi apresentado, no limite do que as incertezas políticas, sanitárias, energéticas, económicas e financeiras permitiam.

Da Madeira, um sátrapa videirinho e sem esqueleto ainda ofereceu os votos dos lacaios, como se um deputado da República tivesse a consciência hipotecada ao líder regional e a traição ao partido fosse um negócio.

Vai ser difícil lamber as feridas, suportar as acusações mútuas dos partidos de esquerda, combater o anticomunismo primário, erguer um dique à extrema-direita, enfim, restituir ao país a confiança na solidariedade entre as esquerdas, e recuperar o que estava aceite.

No meu ponto de vista, ontem, o BE, PCP e PEV entregaram o ouro ao bandido, sem se interrogarem do que seria Portugal fora da U. E., sem vacinas, crédito e solidariedade.


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