19.9.05

A união sagrada dos militares

Crónica de J.L. Saldanha Sanches (*)

O facto comezinho de Portugal não pode continuar indefinidamente a gastar 15% dos seus recursos a financiar o sector público é uma daquelas evidências em que ninguém quer acreditar. Especialmente no sector público.

Quando ouvimos os discursos reivindicativos parece haver uma espécie de presunção implícita que os números estão errados e que devem ser o produto de uma conspiração dos economistas, das confederações patronais, do imperialismo ou de qualquer outra associação de malfeitores. Não é coisa que se deva tomar a sério.Mesmo assim neste ambiente de loucura generalizada podemos encontrar comportamentos racionais. (Texto integral em «Comentário-1»)


(*) Publicada com autorização do autor

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5 Comments:

Anonymous Anónimo said...

A UNIÃO SAGRADA DOS MILITARES

O facto comezinho de Portugal não pode continuar indefinidamente a gastar 15% dos seus recursos a financiar o sector público é uma daquelas evidências em que ninguém quer acreditar. Especialmente no sector público.

Quando ouvimos os discursos reivindicativos parece haver uma espécie de presunção implícita que os números estão errados e que devem ser o produto de uma conspiração dos economistas, das confederações patronais, do imperialismo ou de qualquer outra associação de malfeitores. Não é coisa que se deva tomar a sério.
Mesmo assim neste ambiente de loucura generalizada podemos encontrar comportamentos racionais. Os médicos ou os enfermeiros que ameaçavam com greves podem achar que mesmo que isso leve à ruína definitiva da saúde pública não vai diminuir a procura dos seus serviços. Pode ser um desastre para o país mas quem sabe se bom para as respectivas classes. Ninguém sabe muito bem.

Os juízes e magistrados que em estreita unidade com os prestimosos funcionários judiciais se dispõe a fazer greve mesmo que isso corresponda à ruína definitiva do sistema de justiça podem achar que além de indispensáveis são poucos.

Conseguindo assim que sejam outros a pagar a crise.
Mas se há comportamentos que desafiam explicação é o dos militares. Com sargentos e oficiais na praça pública numa espécie de união sagrada contra a redução da despesa pública.
Vamos falar claro: eles deviam já ter percebido que a sua principal diferença em relação aos demais funcionários públicos (dos quais falam com indisfarçável desprezo) é a sua completa inutilidade.
Existem porque existem, por tradição e por inércia.

A única coisa que o país espera deles é que vão arranjando umas centenas de homens para missões (de pouco ou nenhum risco) na Bósnia ou em Timor. E em regime de estrito mercenarismo.

Nessas alturas passam a ser bem pagos (os primeiros enviados para a Bósnia estiveram à beira de um motim quando souberam que tinham de pagar IRS) e são voluntários.
Como esse regime um contrato público com a Securitas ou a Prossegur ia obter melhores resultados com menor despesa.
Tirando essas excursões periódicas o que resta são alguns milhares de sargentos, coronéis e generais que desde o fim da guerra colonial têm tido um interessante comportamento estratégico: como conseguir o máximo rendimento com o mínimo de esforço.

O conceito estratégico de defesa nacional tem tido um sem número de expressões: pensões de valor militar acumuláveis com o vencimento, reconstituição das carreiras prejudicadas com o 25 de Abril, redução da idade de passagem à reserva e à reforma e outras prebendas.

Uma defesa intransigente não diremos da pátria (contra quem?) mas da barriga.
O irracionalismo do comportamento militar é que com a sua insurreição disfarçada de defesa de direitos fundamentais como a liberdade de manifestação estão a dar uma esplêndida oportunidade ao Governo.

A dificuldade da reforma da justiça, da saúde ou da educação é que é preciso conjugar o ataque ao desbragado egoísmo do deixa andar que corrói esses sistemas com o estímulo aos seus melhores elementos que os têm mantido o sistema, apesar de tudo, a funcionar.

Há por essas escolas, hospitais e tribunais gente que trabalha exemplarmente ao lado de um bando de parasitas cuja única actividade é o saque permanente dos dinheiros públicos. Na função pública nada é a preto e branco.

Quando o discurso do Governo faz fogo contra toda a gente o resultado é desmoralizar aquele grupo para quem trabalhar é uma obrigação natural. Pondo-nos à beira da ruína permanente da Justiça, da saúde e da educação públicas.

Por razões financeiras o Governo tem que acabar com o regabofe. O que não é fácil em especial para um Governo cada vez mais desacreditado e pouco hábil. Pode é acabar ao mesmo tempo com os serviços.

Mas na tropa, o que faz parar o Governo? Se os chefes militares nem conseguem deter a indisciplina para que servem as forças armadas?
Se Portugal for atacado (hipótese académica) só começam a combater depois de negociar um novo contrato colectivo de trabalho?
Mas se está comprovado que no modelo actual não servem para nada porque não começar a pensar como se podem gastar aqueles milhões de euros (ou já agora menos) de forma mais útil para o país?

O que é poderia fazer o sector defesa, inteiramente reorganizado e reestruturado para a defesa das nossas riquezas marítimas (sem fragatas nem submarinos), para a tutela do território e defesa da floresta (sem quartéis na cidades) ou mesmo para a investigação científica ligada às indústrias da defesa e às novas formas da guerra?
Porque não mandar aquela gente para casa (eles só vão deixar de se manifestar quando se convencerem que o emprego está em risco) reduzir as despesas de funcionamento e começar a estudar o novo modelo de forças armadas. Com menos sargentos e muito menos generais.

Não porque a crise das forças armadas seja um exclusivo das forças armadas. Se elas deixam de ter disciplina é porque já não são forças armadas. A sua dissolução como corpo funcional é um dos principais sintomas de que alguma coisa chegou ao fim.

Os velhos modelos estão esgotados.
Temos sempre a possibilidade de procurar alguma coisa nova ou deixar que tudo se vá arrastando sem mudar nada. Mesmo que isso seja uma espécie de afundamento colectivo.

J.L. Saldanha Sanches

(«Expresso-Economia» 17 Set 05)

19 de setembro de 2005 às 19:43  
Anonymous Anónimo said...

Se houver 1000 generais, toca uma décima milésima de general a cada um. Eu dispenso a minha há quase trinta anos. E os correspondentes coroneis, majores, capitães, sargentos e soldados. Com a poupança acumulada nos impostos, já devia dar para uma reforma à Mira Amaral.

CC

20 de setembro de 2005 às 08:01  
Anonymous Anónimo said...

Eu gostava é que me explicassem o plano diário de trabalho de essas centenas (ou milhares) de oficiais das forças armadas. Um professor, um médico ou um juiz, pode não produzir (no sentido de render) mas no entanto é do senso comum o que deveria fazer, ou seja, é do senso comum o seu papel nesta sociedade. No entanto, em relação aos militares, ainda não consegui perceber o seu papel... Será que estão a programar operações de ataque a Espanha, ou a preparar a próxima parada militar com antecedência, ou, mais provável ainda, devem estar nos quarteis o dia todo a beber cerveja como eu vi quando fui à (obrigatória) inspecção.
Talvez, como aquela carta do agricultor Inglês sobre a não criação de porcos, o estado Português esteja a pagar a militares para não ter oproblema dos não-empregados... Será???

20 de setembro de 2005 às 09:23  
Anonymous Anónimo said...

Quando vulgarmente se fala de militares, não deviamos estar a incluir todos os representantes de todas as forças armadas, psp, gnr, policia maritima, policia aérea, ou seja toda essa panóplia de forças da ordem que também sao funcionarios publicos? É que eu ainda nao consegui perceber se neste caso da tão contestada manisfestação estão em causa os militares no sentido de «tropa», como aqui neste artigo se fáz crer, ou de militares no sentido generalizado. É que, para mim um militar náo é bem só o general apromadinho e cheio de medalhas nem o magala a namorar a costureirinha, para mim também é militar a gnr, que me manda assoprar no balão para ver se eu vou a conduzir sob o efeito do alcool, a psp, que é chamada para resolver uma cena de pancadaria, a polícia em frente à escola, que tenta impedir o puto de vender crack, etc, etc, etc... e assim sendo, já que não sei bem até que ponto me apeteceria só ter forças privadas (tipo securitas como fala o artigo)a tomar conta de tudo e de todos... aliás esta é uma discussao que já vem de longe (...é como a fama do constantino, ehehehe...)e não é só no nosso país, na Holanda , por exemplo, também se discute o mesmo assunto: devem ou não privatizar-se as forças de segurança... eu, cá pra mim, acho isso perigoso, mas enfim, cada um sabe de si.
lilly of the valley

20 de setembro de 2005 às 10:46  
Anonymous Anónimo said...

João Morgado Fernandes

(Editorial do «DN» de 21 Set 05)

O poder político fez com as associações de militares a única coisa que poderia fazer - não ceder. As medidas que reduzem os benefícios na área da saúde e na passagem à reforma foram, obviamente, concertadas entre as várias instâncias do poder e com as chefias militares. O Presidente da República, que, à luz da Constituição, é o comandante supremo das Forças Armadas, estava, seguramente, informado de todo o processo desde o início - e tê-lo-á acompanhado a par e passo -, pelo que a promulgação dos diplomas ontem anunciada não pode surpreender ninguém. Quanto às chefias, elas são o interlocutor institucional do Governo - terão sido ouvidas e as suas sugestões atendidas, ou não. Percebe-se, porém, que, à partida, as propostas do Governo não lhes agradassem, mas também se percebe que não poderiam fazer outra coisa publicamente senão apoiar as posições governamentais.

Num sistema democrático, não poderia ser de outra forma - há uma óbvia sujeição dos militares ao poder político. É isso que as associações parecem não perceber. Ou querem fazer crer que não percebem. É impensável ver um Governo a negociar, numa base sindical ou parassindical, com associações de militares. Mais impensável seria um recuo perante manifestações públicas. A luta dos militares estava, por isso, condenada ao fracasso.

A dramatização, com recurso a manifestações imaginativas - como já havia acontecido com os agentes das forças de segurança -, terá contribuído para uma maior descredibilização de um grupo profissional já relativamente impopular. Perante os problemas graves que o País tem nos mais variados sectores, não falta quem olhe para os quartéis e se interrogue sobre a utilidade dos que lá estão, ou sobre os privilégios de que usufruem.

Essas posições são demagógicas, tanto mais que - o mundo anda perigoso - as Forças Armadas não podem de modo algum ser dispensadas ou sequer menorizadas.

Passada esta onda de agitação, seria bom que as associações tentassem perceber de que forma, discreta e dentro da legalidade, podem influenciar os acontecimentos. Até porque algumas das suas reivindicações - nomeadamente a necessidade de redignificar a instituição militar, fazem todo o sentido.

21 de setembro de 2005 às 09:23  

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