6.5.06

A confissão

COMEÇA a ser irritante ler transcrições de declarações e depois, face aos problemas que elas causam, ouvir os visados a dizerem «que não disseram bem isso», que foram «mal interpretados», que «as frases foram retiradas do contexto», etc., etc.
De qualquer forma, enquanto Mário Lino vem ou não vem fazer um comentário desses às declarações que lhe são atribuídas, aqui fica a crónica de Fernando Madrinha no «Expresso» de hoje sobre tão bizarro assunto:
O ministro iberista
Comecemos por reproduzir a declaração, tal qual veio publicada no dia 24 de Abril pelo jornal «Faro de Vigo»:
«Sou um iberista confesso. Temos uma história comum e uma língua comum. Há unidade histórica e cultural e a Ibéria é uma realidade que persegue tanto o Governo espanhol como o português. Se há algo importante para estas relações são as infra-estruturas de transporte».
(Ver o texto integral em «Comentário-1»)

3 Comments:

Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

O ministro iberista

Comecemos por reproduzir a declaração, tal qual veio publicada no dia 24 de Abril pelo jornal «Faro de Vigo» :

«Sou um iberista confesso. Temos uma história comum e uma língua comum. Há unidade histórica e cultural e a Ibéria é uma realidade que persegue tanto o Governo espanhol como o português. Se há algo importante para estas relações são as infra-estruturas de transporte».

Estas considerações foram feitas em Santiago de Compostela, Galiza, Espanha, por um cidadão português que, por acaso, é também ministro. Aliás, falava nesta qualidade, perante uma audiência composta por 150 quadros galegos da Caixa Geral de Depósitos e do Banco Simeón.
Chama-se Mário Lino e tem, no Executivo português, a pasta das Obras Públicas, Transportes e Comunicações. Não houve até agora desmentido nem correcção que pusessem verdadeiramente em causa a declaração reproduzida, pelo que não há também motivo para se questionar a fiabilidade do jornal.
Lino pensa o que diz. E di-lo, aliás, em termos que não deixam margem para segundas leituras, apesar de, em declarações ao «Independente», ter informado ontem que falava do «iberismo» aplicado à sua área específica. Ora, não se vê o que possam ter a ver com estradas, pontes ou comboios de alta velocidade a suposta «unidade história e cultural», ou com a «história e a língua comuns» que o ministro certamente inventou para sublinhar melhor o seu fervor iberista. Mesmo falseando a realidade histórica e factual que todos os portugueses conhecem.
Não é concebível nem aceitável que um ministro português ignore o conceito a que corresponde a palavra «iberismo» no discurso político. E por isso não é concebível nem aceitável que a use com a desplicência e ligeireza com que o fez. O insólito da situação, para não dizer o caricato, é tal que o próprio «Faro de Vigo» a estranha, observando que, «enquanto a Espanha é sacudida pelos debates sobre os estatutos autonómicos e sobre se o Estado se desmembra e se rompe como nação», vem o ministro português confessar-se «iberista» e convencido de que Espanha e Portugal «têm pela frente um futuro em comum».
Quer dizer, enquanto as regiões e os povos de Espanha querem mais autonomia e algumas batalham pela independência, há no Governo do único país da Península que resistiu durante oito séculos e meio à força hegemónica de Castela, alguém que se declara defensor de uma unificação ibérica.
O cidadão Mário Lino pode ter as opiniões que bem entenda, mesmo as mais bizarras. O ministro português das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, esse devia ter esclarecido o país sobre essas convicções pessoais antes de aceitar o cargo. E o facto de administrar as Obras Públicas não desvaloriza nem desagrava o seu lastimável discurso.
Desde logo porque um ministro é sempre um político e como tal tem de raciocinar e intervir. Depois, não pode subsistir a menor dúvida de que as suas opções estratégicas - um aeroporto na Ota e este ou aquele traçado do TGV, por exemplo - são tomadas em função de princípios ou convicções que não correspondem minimamente às da generalidade dos portugueses, nem a qualquer doutrina do Estado ou orientação de Governo.
Ninguém pode surpreender-se quando o primeiro-ministro, falando de economia e das prioridades do Governo, responde «Espanha, Espanha, Espanha». É uma evidência para toda a gente que as relações com a Espanha se impõem e devem ser incentivadas no que sejam mutuamente vantajosas. Outra coisa é o discurso político do Governo ficar contaminado pelas esdrúxulas convicções pessoais de um dos seus ministros.
A menos que Mário Lino fale uma língua diferente, ou as palavras já não sirvam para nada, alguém que se proclama «iberista confesso» não deve integrar o Governo de um país cuja soberania foi conquistada precisamente contra as teses iberistas, com este ou com outro nome.
Se não esclarecer o mal-entendido - admitindo, contra todos os indícios, que ele possa ter existido - todas as suas decisões passadas e futuras ficarão sob suspeita.
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F. Madrinha, «Expresso» de 6 Maio 06
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(Enviado por Jorge Oliveira)

6 de maio de 2006 às 21:33  
Anonymous Anónimo said...

Lá porque o homem é ministro, já não pode ficar "com os copos" de vez em quando?!

Francamente!

6 de maio de 2006 às 23:05  
Blogger dorean paxorales said...

Mário Lino é um idiota completo mas não é ministro dos N.E.; é sim das O.P. e Telecomunicações, área onde a margem de decisão varia com os interesses espanhóis.

O planeamento nacional de estradas, barragens, gasodutos, caminhos-de-ferro, aeroportos já há muito deixou de ser prerrogativa de portugueses e já não há fabricante de electrónica de telecomunicações que não tenha centralizado a gestão dos dois mercados num único escritório ibérico (com excepção da Siemens, talvez).

O Sr.Lino conhece por dentro esta sua inutilidade, e a forma que encontrou para sublimar a frustração que deve sentir nesse papel é legitimar um todo maior, o tal "destino comum" ibérico, para com isso se imaginar parte decisora do mesmo.

8 de maio de 2006 às 19:01  

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