AINDA VAI NO ADRO
Por Nuno Brederode Santos
O GROSSO DAS FÉRIAS já lá vai, mesmo que a "normalização" do quotidiano deva ainda esperar (se não por Outubro, pelo menos pela segunda quinzena de Setembro). Por isso, só liturgicamente, a "rentrée" já começou.
Confortado em ser Governo, o PS (enquanto tal) nada fez, a dar nas vistas. Está a braços com a presidência da União Europeia que, no seu discurso, subestimou tanto ou mais do que a oposição. Como se a querer esconjurar as dificuldades internas por que passaram, antes dele, Cavaco e Guterres, quando tiveram de enfrentar o mesmo desafio. Tal como então - e mesmo sem a fragilização causada pela saída, para outra batalha, do número dois do Governo - a coordenação ressente-se. Tanto mais que, com a metade da legislatura, há coisas que sempre mudam. Hoje, tudo parece depender, para além do primeiro-ministro, de Teixeira dos Santos, Silva Pereira e Vieira da Silva. E a proclamação de certezas deixou de calar as dúvidas. O dia tem vinte e quatro horas para todos e esconder as dificuldades não costuma resolvê-las.
O PSD organizou, eufemismos à parte, o seu comício de Verão, uma tradicional demonstração de unidade interna que visa proporcionar ao líder um momento de glória oposicionista. Só que, desta vez, a ânsia de marcar pontos na corrida interna levou Marques Mendes a cair na emboscada que Luís Filipe Menezes, em silêncio e em comovente partilha com as "bases", lhe preparara (ou seja, Macário Correia não conseguiu travar Mendes Bota). Dir-se-á que foi apenas mais um episódio das "directas". Mas tudo, até ao fim de Setembro, serão episódios desses. Resta saber o que fica nas mãos do vencedor, quando acabar a saga fratricida. Porque, até lá, cada crítica que um dos candidatos faz ao Governo ou ao PS estoira no peito do outro. Aguardemos, contudo, o debate que aceitaram fazer na SIC Notícias (tomando-se aqui a liberdade de sugerir a Marques Mendes que, a propósito de debates públicos com Menezes, não diga mais nada que Sócrates não possa usar contra ele em 2009).
O Bloco e o CDS refugiaram-se em realizações de âmbito hoteleiro. Parecem ter fugido à multidão, mas tudo indica que terão antes fugido aos embaraços da falta dela. O primeiro, ainda sacudido pela hesitação com que começou por reagir aos desmandos "verde-eufémios" e a ter de lidar agora com a difícil conciliação entre o seu culto da virgindade e o pragmatismo do acordo entre o seu candidato e o PS em Lisboa. Mas talvez sejam as borbulhas da idade. O segundo ainda não conseguiu compensar a esgotante guerra civil em que se envolveu e que aparentemente ainda só teve como resultado o imenso e histórico desaire na Câmara de Lisboa.
O PCP, com a Festa do Avante!, é agora o último (e talvez, em termos de calendário, o mais realista). Mas o menos realista nas inovações do discurso oficial. Ao denunciar as "políticas de direita" que nos são impostas "há trinta anos", um organizador da festa (que não consegui reconhecer na televisão) contribuiu muito mais para o desespero do que para a mobilização dos fiéis: um eleitor com trinta anos de currículo cívico não deixará de questionar-se sobre como é que uma vida inteira a averbar vitórias, nas urnas como na rua, pode permitir que nunca tais políticas, fosse qual fosse o Governo, tenham sequer sido obrigadas a um armistício ou uma pausa. E ao substituir os "indícios de autoritarismo" pelos "sinais de cariz fascizante" da política governamental, o editorial do Avante! substitui também, perante a plateia do senso comum, a atitude oposicionista por um delírio para sandeus. Fica sem se perceber quem mete mais medo: se o patrão explorador e o Estado arbitrário ou quem proclama fascismos para lá do horizonte que é de todos. E ficam as gerações mais jovens a pensar que foi por causa de governos como os que tivemos e temos, nos trinta anos que lá vão depois de Abril, que os seus maiores fizeram a clandestinidade e sofreram tudo o que já lhes foi contado. Não há melhor maneira de desvalorizar a luta que os melhores de entre nós travaram durante quase meio século.
«DN» de 9 de Setembro de 2007
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1 Comments:
Para que cada um possa por si próprio ajuizar, junto excerto to texto de que se fala.
Revista da Festa do Avante 2007, pág. 12-13, Editorial “A Festa de Abril”:
“(...) O Governo PS/José Sócrates tem vindo a levar por diante a mais perigosa ofensiva até agora desferida contra o regime democrático. Fá-lo através da aplicação da política de direita, iniciada também por um governo do PS – neste caso presidido por Mário Soares – e prosseguida ao longo de mais de três décadas por sucessivos governos PS ou PSD, sozinhos ou de braço dado – uma política tão igual em tudo o que é essencial e aplicada com práticas tão iguais, que bem podemos referenciá-la como uma política única praticada por um único partido – o qual acrescenta ou retira um D à sua designação, consoante as necessidades de cada momento.
O que há de novo na prática e no conteúdo da intervenção do Governo PS/José Sócrates é que ele leva essa ofensiva mais longe e mais fundo do que qualquer governo anterior e confere-lhe uma tónica crescentemente antidemocrática, em muitos casos atingindo o coração de Abril. Trata-se, com efeito, de uma política que, no seu ataque feroz aos direitos dos trabalhadores; às liberdades políticas, designadamente à liberdade de expressão de opinião; aos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos; à independência e à soberania nacional – tem como alvo prioritário os valores de Abril que venceram o fascismo.
E, assim sendo e por isso mesmo, trata-se de uma política de cujo conteúdo essencial emergem sinais de iniludível cariz fascizante.
Sublinhar esta realidade, não significa nem espalhar alarmismos infundados, nem pregar a resignação face à situação existente. Bem pelo contrário: os perigos que espreitam a democracia no nosso País são por demais evidentes no dia-a-dia da imensa maioria dos portugueses; e é imperioso que a luta das massas trabalhadoras e das populações continue a crescer, a ampliar-se e a fortalecer-se, já que ela se apresenta como factor determinante na resposta à situação actual. (...)”
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