18.12.07

Máfia: o Clima Apropriado

Por J. L. Saldanha Sanches
AS APARÊNCIAS ILUDEM: as máfias a trovejarem violência e morte são plantas muito delicadas; só conseguem crescer em certos climas. Depois de crescerem ganham raízes e tornam-se mais fortes. Mas serão sempre plantas de estufa que não suportam o frio ou os ventos fortes.
A primeira condição para que possam vicejar é a protecção de alguém que tenha influência política. Não se pode esperar que os homens da violência se relacionem directamente com o político B e lhe arranjem votos. Precisam de um protector que apareça sempre rodeado de políticos no activo e na reserva com uma imagem de invulnerabilidade.
O objectivo é criar um sub-sistema político que funcione com autonomia e que constitua a versão moderna do coito medieval: um espaço onde se não pode entrar sem a homenagem devida ao senhor da terra.
A segunda condição é a da penetração no sistema judicial e policial uma operação para a qual é essencial a criação de espaços sociais de convivência geridos pelo protector.
Os magistrados são pessoas normais a quem a ordem jurídica proporciona o distanciamento dos conflitos que são a condição institucional da sua independência.
Para quebrar esse isolamento pretendido pelo sistema são necessários espaços de convivência onde as relações se possam travar e dos pequenos favores se possa passar para os grandes compromissos. O objectivo é conseguir influenciar a decisão judicial. O sistema é vulnerável às denúncias e infiltrações e é necessário que a influência no sistema judicial funcione como uma segunda linha de protecção.
O célebre conselheiro “Mata-Sentenças” da Itália de Giovani Falcone ficou famoso por isso.
A primeira linha de protecção, contudo, tem de ser a polícia: nenhum sistema mafioso se consegue enraizar e prosperar sem conseguir que a polícia olhe para o lado. Algumas das actividades mais rendosas têm que ser feitas à luz do dia (ou à luz da noite) e uma polícia agressiva é um empecilho permanente para o bom andamento dos negócios. Para o sistema de tráficos e extorsões ser próspero, um acordo (com partilha de receitas) é essencial.
A outra condição é que justiça privada do bando seja feita sem demora, nem tibiezas: se alguém desrespeita os seus compromissos a resposta não pode ser uma acção judicial com pedido de indemnização. O medo é essencial, a «omertá» a base de todo o sistema, e depois das acções da intimidação e das propostas que não se podem recusar a consequência do incumprimento tem que ser a pena de morte.
Aqui entram novamente em cena a polícia e os magistrados: as testemunhas e os arrependidos têm que saber que não vão ser protegidos e por isso só lhe resta calar a boca mesmo que queiram falar.
Em condições ideais, o sistema a quem deveria ser confiada a punição dos criminosos mostra-se impotente e desorientado, transmitindo a mensagem de que não vale a pena contar com ele e que mais vale negociar, pagar a protecção e calar a boca.
Se isto for conseguido, o bando é invulnerável e o medo prevalece.
O poder do Estado torna-se ficção e o poder das máfias torna-se indestrutível.
«Expresso» de 15 de Dezembro de 2007

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17 Comments:

Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Está previsto um prémio para o melhor comentário que venha a ser feito a esta crónica até às 20h da próxima sexta-feira, dia 21 (ver post seguinte)

18 de dezembro de 2007 às 12:03  
Blogger Vitor said...

Em verdade em verdade lhe digo... a Pol�cia tem sido sucessivamente esvaziada de poder efectivo, onde uma "Bofetada" de vez em quando n�o ca� nada mal...e at� ajuda a prevenir uma qualquer constipa�o futura...

Defendemos demasiado os "Bandidos/arguidos" e esquecemos que a nossa liberdade termina onde come�a a liberdade dos outros... e o resto � treta...

Se se continuar na defesa dos criminosos, talvbez a m�dio prazo, e com o excesso de viol�ncia criado, aparecem os Policias como Policias,Magistrados e Ju�zes, condenando de imediato um qualquer crime que tenham conhecimento/investigado...

N�o quero uma sociedade policial, mas tamb�m n�o quero uma sociedade sem policia com efectivo poder, e da qual essas "mafias" tenham receio efectivo...

Abra�o

18 de dezembro de 2007 às 13:03  
Blogger Unknown said...

Ai que saudades da"opressão" salazarista...

18 de dezembro de 2007 às 13:59  
Blogger Jose Silva said...

Caro senhor,

Usando também analogias da penísula itálica, remeto-o para o conceito de «Pão e Circo». O Porto e o Norte tem vivido nos últimas décadas de Pão e Crico. Perante esta depressão económica e social organizada conscientemente ou não pela oligarquia da capital, as vitórias do FCP tem funcionado como uma forma de ser Feliz Como no Prozac (FCP, e esta hein ?). POrtanto, quem é o principal beneficiário deste «sistema» vive ai em Lisboa. Pinto da Costa é o maior aliado dessas oligarquias. No feliz dia em que o FCP deixar de ganhar, o Porto reclamará por mais poder em Portugal, e os vossos patrões da quinta da Marinha tremerão.
Sr Sanches, PF antecipe esse dia. Ou então andará permanentemente a fazer a figura de ... .

18 de dezembro de 2007 às 14:16  
Blogger JOSÉ LUIZ FERREIRA said...

«Subsistema político»... «coito medieval»... «espaços sociais de convivência» entre magistrados e influentes... Meu caro Saldanha Sanches, está a falar de futebol, não está? Então porque não dizê-lo?

18 de dezembro de 2007 às 18:04  
Blogger Rosário said...

«Porque não dizê-lo?»? Porque, para pessoas minimamente
informadas (como é suposto serem os leitores do «Expresso-Economia» para o qual o artigo foi escrito), o óbvio não precisa de ser explicitado em termos de B-A-BA.

Mas parece-me que é mais do que o futebol:

Nos últimos anos, no Porto (cidade onde nasci e vivi e que conheço bem) criou-se uma mistura explosiva de futebol (FCP) + autarcas do PS (Nuno Cardoso + Fernando Gomes) + construção civil.

Nada que não tenha sucedido em muitas outras terras; só que, no Porto, atingiu dimensões que ultrapassaram o admissível. Quanto mais não seja, porque tudo indica que àquelas 3 parcelas se juntaram outras: droga, negócios de "segurança", cumplicidades de polícias.

E tudo temperado por uma impunidade garantida, evidentemente.

18 de dezembro de 2007 às 18:37  
Blogger Rosário said...

Pior:

Começou (já há bastante tempo) a fazer caminho a ideia de que quem não aceita os dislates dessa gente está "contra a cidade do Porto e contra os portuenses"!!

Ainda hoje pude ler em diversos blogues que quem quer ver os assassinos presos está a soldo do Benfica, dos lisboetas e outras enormidades.
Quem lê isso, pensará que é escrito na brincadeira. Mas, pelo que eu conheço, não é. Há mesmo quem pense isso.

Para essa gente, "amar a cidade" passa por tolerar o crime (mesmo o assassinato profissional e em série!), e o facto de alguém andar aos tiros de metralhadora nas ruas é "bacano"...

18 de dezembro de 2007 às 21:14  
Blogger JOSÉ LUIZ FERREIRA said...

Não é escrito na brincadeira, não. Tem razão... Eu também já vi isso escrito sem ser na brincadeira.
No entanto, e mesmo estando de acordo com o que Mendonça escreve sobre as mafias da droga e da construção civil, não posso deixar de considerar que o futebol tem um estatuto especial: podemos encontrar lá, sem escândalo, figuras que nesses outros territórios apareceriam demasiado deslocadas.

18 de dezembro de 2007 às 22:05  
Blogger I_miss_my_lung said...

"Nada que não tenha sucedido em muitas outras terras; só que, no Porto, atingiu dimensões que ultrapassaram o admissível." - Estamos a ser um bocado ingénuos, ou não? Primeiro, a mera existência destes negócios é inadmissível, nunca pode ser uma questão de dimensão. E pensar que a sua dimensão é maior no Porto do que em Lisboa é, vamos ver, estúpido. Segundo, estes acontecimentos foram claramente sobre-explorados pelos media, como seria de esperar, por haver uma alegada ligação entre estes e o mundo do futebol. A exploração mediática destes acontecimentos resultou em histeria (e vice-versa) porque: a)os habituais defensores da justiça e da moral, predominantemente lisboetas, saíram a terreiro criticar a "faroestização" (porque futebol-"related") da noite do Porto; b)criou-se o medo entre os cidadãos do Porto que, ao contrário de outras cidades "bastiões da paz e segurança", estão habituados a andar nas ruas da sua cidade com uma assinalável tranquilidade. Não quero de maneira alguma desculpar esses crimes e criminosos que não merecem mais nada a não ser a vida na prisão.Mas na minha cidade prefiro, de longe, que um criminoso assassine um criminoso todas as semanas do que saber que crianças inocentes são abusadas continuamente desde há dezenas de anos mesmo depois da intervenção de supostas "super-equipas" das autoridades. ISSO é vergonhoso!

19 de dezembro de 2007 às 03:26  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Hoje, A GRANDE LOJA DO QUEIJO LIMIANO (http://grandelojadoqueijolimiano.blogspot.com/) publica um longo "post" intitulado «Os pathos do milieu» dedicado a esta crónica.

A não perder.

19 de dezembro de 2007 às 12:04  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Na medida em que os estados nasceram da necessidade dos povos se proverem de SEGURANÇA e de JUSTIÇA, poucas coisas há tão reveladoras do seu estado de evolução (ou de atraso) como a postura perante essas duas realidades.

Toda a gente ouve dizer que os criminosos devem ser presos - e há quem advogue, até, a pena de morte - mas...

"...desde que nao se trate de gente do meu partido, do meu clube ou da minha terra...".

19 de dezembro de 2007 às 15:31  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

A crónica de JLSS só pode criar celeuma entre os que "enfiam a carapuça".

Mas leia-se o texto como um trabalho teórico acerca das máfias em geral: o autor nem sequer diz nada de novo, limita-se a referir como (e porquê) as máfias nascem, se implantam e crescem impunemente em qualquer parte do mundo onde as condições sejam propícias.

Nessa perspectiva, e lido o texto com atenção, alguém é capaz de, nele, indicar algum erro?

20 de dezembro de 2007 às 09:13  
Blogger Contacte-nos said...

Posto dessa forma, como "trabalho teorico" quem somos nós para o discutir..de qualquer forma, se de um acto teorico se trata deveria estar contextualmente imune a interpretações circunstânciais do momento, perdoe-se a colagem à realidade portuguesa, é que pensava mesmo que era mais uma descabida teoria da conspiração; ainda bem que estou esclarecido, e não, realmente não têm erros, nem aqui "nem em qualquer parte do mundo".

20 de dezembro de 2007 às 18:16  
Blogger Contacte-nos said...

Só mais uma coisinha...e o factor Antropológico? Não conta nada para o caso? No crescimento de mafias e no seu enquadramento e alargamento socio-cultural (sim, chega a ser tradição, ritual de passagem, etc...)de uma região ou estado?
É que nem só de justiça e segurança (felizmente) os estados são feitos...quer melhor exemplo do que o nascimento da mafia siciliana?
É que na especificidade do crime organizado só numa fase avançada ( a de confrontação com os poderes do estado) nos apercebemos da sua existência, entretanto já os equilibrios foram definidos e as regras estabelecidas.
Como tal, não posso estar de acordo com a primeira condição por ele enunciada, a necessidade primordial de protecção política...quando a organização criminosa disso necessita é porque a sua dimensão há muito que se alargou a outras realidades de actuação,assim de repente até julgo encontrar alguma coisa por onde pegar no intocávél "trabalho teorico" de Saldanha Sanches, e não me pareçe que tenha nada a ver com "enfiamentos de carapuças", apenas comentários honestos e sinceros.

20 de dezembro de 2007 às 18:47  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Para a atribuição do prémio «Melhor comentário», está a decorrer, até às 20h do dia 25, uma «Votação pelos leitores»:
http://sorumbatico.blogspot.com/2007/12/votao-pelos-leitores.html

21 de dezembro de 2007 às 20:58  
Blogger Nortada said...

Concordo em muitos aspectos com a crónica, é um tema que me tem interessado, e suscitado alguma atenção, o fenómeno do aparecimento de uma máfia.
Nas circunstâncias apresentadas por Saldanha Sanches, como meios de cultura essenciais à implementação, proliferação e estabilização de um máfia, falta contudo uma essecial e que de certa forma até julgo saber que o próprio concorda, a qualidade da legislação, que é essencialmente afectada seja pela existência de, “legislação absurda”, como pela permanente e desenfreada produção de legislação que afaste o entendimento da lei do cidadão, possibilitante o aparecimento da justificação social do não cumprimento da lei.
Quanto às responsabilidades, que também as há, faz falta estudar, quem mais tentou interferir com a polícia, quem mais tentou manipular e subverter a independência da Magistratura e finalmente que produziu mais “legislação absurda” ?

23 de dezembro de 2007 às 13:07  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Actualização (25 Dez 07/20h10m):
Após a votação pelos leitores que terminou há pouco, o prémio foi ganho por "Mendonça", a quem se pede que contacte sorumbatico@iol.pt

25 de dezembro de 2007 às 20:16  

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