12.12.07

Questionar a Igreja

Por Baptista-Bastos
AS MINHAS RELAÇÕES com a religião católica sempre foram de prevenção e curiosidade. Ateu, razoável leitor da Bíblia, tento compreender o Evangelho e seguir o seu espírito "humano" sobrelevando o aspecto "divino", digamos assim. Hegel ensinou que tudo o que se referia à Igreja, no que ela comporta de humanidade, dizia respeito a todos nós. O conhecimento permite a eficácia da luta contra o obscurantismo e a crendice.
Se não contam comigo para lisonjear leitores preguiçosos, muito menos estou disposto a recusar, em bloco, uma realidade cultural que se pode traduzir numa significação lógica. De uma ou outra forma tenho dialogado, espaçadamente, com homens da estirpe de D. Manuel Clemente e de D. Januário Torgal Ferreira, e com o "dissidente" padre Mário de Oliveira.
Eis porque me surpreende o silêncio dos média em torno da notável entrevista que o padre Anselmo Borges deu a Sarah Adamopoulos, e publicada na última revista Notícias Magazine. O ponto de partida é um volume, Deus no Século XXI e o Futuro do Cristianismo [edição Campo das Letras], coordenado por aquele professor e sacerdote, e no qual 16 especialistas "dos diversos saberes" reflectem não apenas sobre a vida espiritual, mas, sobretudo, acerca de uma realidade integrante da filosofia.
Anselmo Borges, colaborador semanal do DN, faz a distinção entre metafísica e história, contrariando a cegueira da consciência e elegendo o julgamento ético como a faculdade de se ver para diante. Repensar Deus exige a percepção de que a religião (neste caso o catolicismo) é um meio, antes de ser um fim, uma via e não um objectivo. "Até o ateu se dá conta de que há um mistério no mundo", afirma o padre Borges. Repetirei, com Fernando Pessoa: "Não ter Deus é já ter Deus." Porém, recuso a mentira cultural do dogma e a parábola da obediência cega, por equivalerem a actos de imposição e de força: insinceros e ausentes da vida. A distinção entre crentes e não crentes permite que os últimos tenham sempre a possibilidade de investigar, interpelar, renovar - ao contrário dos primeiros.
Anselmo Borges comprometeu-se com uma luta que faça evoluir a sociedade portuguesa para uma significação intrínseca. A Igreja do humano tem um papel importantíssimo a desempenhar, enfrentando a Igreja da casta e do absoluto. A Igreja do divino tende a esquecer que a cultura dispõe sempre da capacidade de ser cultura. No entanto, Anselmo Borges adverte: "A Igreja Católica continua a ser uma monarquia absoluta [.] e não pode pregar os direitos humanos fora dela, quando os não pratica no seu seio." Dito de outra forma: a Igreja não é democrática, e a sua autoridade, contrária à mensagem de Jesus, chega a ser antidemocrática.
«DN» de 12 de Dezembro de 2007

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2 Comments:

Blogger Blondewithaphd said...

I am a practising Catholic with very unorthodox views of the dogma. I agree with the perspectives exposed in this text, apart from the fact that "non-believers are free to question and wonder". I'm a believer and I'm in a constant process of questioning. That is one of the liberties I take as a Catholic. In fact, how can one conceive faith (Catholic or not) without this freedom? In order to believe we have to question and search for the higher truth. I don't believe in blind faith.

12 de dezembro de 2007 às 13:51  
Blogger Nortada said...

Agora que pelos vistos o Padre Anselmo está mais consciente e maduro, será o tempo de alguém o informar que ele tem o direito de processsar judicialmente quem o obrigou a abraçar uma religião, isso já não é aceitável por ninguém há séculos, tenho a certeza de que o teatro, a encenação que fez sobre a pressão que pelos vistos sofreu, por altura dos seus votos, deve ter sido muito bom, caso contrário as autoridades eclesiáticas teriam notado e nunca teriam compactuado com tal violência.

14 de dezembro de 2007 às 19:25  

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