9.2.08

O “folclore” de Olivença

Imagem obtida [aqui]

Por Jorge Pacheco de Oliveira

OLIVENÇA E GIBRALTAR são dois exemplos em que Espanha revela falta de respeito pelo cumprimento dos tratados internacionais.

Por ocasião da cimeira luso-espanhola que decorreu em Braga em 18 e 19 de Janeiro, o primeiro-ministro (PM) José Sócrates foi interrogado por um repórter de televisão acerca da manifestação organizada pelo Grupo dos Amigos de Olivença, que aproveitou a oportunidade para chamar a atenção para o problema.

No seu jeito peculiar, de desvalorizar o que o incomoda, o PM de imediato classificou a ocorrência como “folclore”. Reacção deplorável! Nem o PM de Portugal, nem qualquer outro político português com um mínimo de sentido de Estado pode tratar a questão de Olivença de forma leviana. Por uma razão cristalina: Portugal não reconhece a soberania da Espanha sobre o território de Olivença. Não é por acaso que a fronteira entre Portugal e Espanha não tem marcos fronteiriços entre o rio Caia e a ribeira de Cuncos, nem este limite fronteiriço consta da cartografia oficial portuguesa ou de qualquer outro documento que possua o timbre nacional.

Mas o que tem a questão de Olivença a ver com a “competitividade”, o tema central desta coluna? Muito. A menos que se entenda a competitividade como uma guerra sem quartel – uma perspectiva que, tanto quanto parece, o mundo civilizado já há algum tempo rejeita – a competitividade entre empresas, e mesmo entre Estados, pressupõe que as partes respeitem um mínimo de regras de decência, entre as quais o cumprimento dos acordos que celebram. De outra forma, a participação num qualquer negócio com uma parte suspeita de incumprimento, empresa ou Estado, obriga-nos a ter cuidados especiais, consumidores de tempo e de recursos.

A História ensina-nos a compreender o presente e a prevenir o futuro. Olivença e Gibraltar, constituem dois exemplos em que o Estado espanhol revela uma infeliz falta de respeito pelo cumprimento de dois tratados internacionais. Embora velhinhos, com quase 200 e 300 anos, os tratados de Viena (1815) e o de Utrecht (1713) respeitantes, respectivamente, a Olivença e a Gibraltar, ainda estão em vigor. E quem os desrespeita não é só a velha Espanha de há 200 ou 300 anos. É também a Espanha de hoje. Quanto a Olivença, persiste em não entregar o território que se comprometeu a devolver. Quanto a Gibraltar, insiste em exigir um território cuja soberania cedeu. Assim não vale. Um Estado que não respeita os tratados que subscreve não fica bem na fotografia.

Os portugueses têm legitimidade para alimentar dúvidas e adoptar precauções em relação ao país vizinho, que nem sempre teve um comportamento simpático. A tomada de Olivença resulta de um conluio da Espanha com Napoleão, naquela que, em rigor, deveria ser considerada a primeira invasão napoleónica de Portugal. Ora, o tratado de Viena tinha por objectivo, precisamente, repor as fronteiras que ficaram baralhadas pelas campanhas guerreiras do corso megalómano. Se a Espanha quer dissipar as velhas desconfianças dos portugueses, bem faria em revelar uma atitude correcta em relação à questão de Olivença.
Possivelmente, a maioria dos oliventinos, caso hoje fosse realizado um referendo, optaria pela Espanha. E o mais certo é que a maioria dos portugueses não ligue nenhuma ao assunto, por simples desconhecimento, ou porque tem preocupações mais prementes. Todavia, a questão de Olivença tem que ser resolvida. Ou se cumpre o tratado em vigor, ou se assina outro que o substitua. Mas há uma condição prévia imprescindível: a Espanha tem de reconhecer a obrigação de devolver a Portugal o território de Olivença. Nem que, de seguida, os dois países concordem em declarar Olivença como território português sob administração da Espanha por um período transitório alargado, digamos, de uma ou duas gerações.
Uma solução que, aliás, poderia ser adoptada também em Gibraltar. O que a Espanha não pode fazer é manter um enfadonho contencioso com dois países seus parceiros na União Europeia, porventura a realização internacional de maior elevação jamais levada à prática.
Pessoalmente, admiro a auto-estima dos espanhóis e gosto da Espanha, que visito regularmente, mas é sempre penoso ver alguém que se aprecia insistir em proceder mal.
«Diário Económico» - 31 de Janeiro de 2008 - c.a.a.