Subsídio pela hora da morte
Por Antunes Ferreira
SOMOS UM PAÍS DE MARINHEIROS – subsidiados. Dizem que desde o Dom Fuas Roupinho. Será? Pelo menos, Henrique o Navegador sabia da poda. Afirmam os entendidos nestas coisas que a subsídio-dependência é um factor que enforma o quotidiano dos Portugueses que, de tão habituados, já consideram o acto de subsidiar como uma obrigação. O subsídio tornou-se, assim, obrigatório e faz parte de nós. E, além de enriquecer o bolso, também enriquece o ego. Um destes dias, quando entrar em funcionamento o tão falado e prometido documento único, no respectivo chip deverá existir uma alínea para especificar o subsídio de cada cidadão.
Tornou-se um émulo do padre-nosso, se não mesmo vencedor na comparação ou na compita. Ou não é já santificado? Santificado, o subsídio. Ou não se deseja que nos seja dado o nosso de cada dia? Nosso, o subsídio. Ou não estará já santificado? Santificado, o subsídio. Sem passar, sequer, pela beatice, isto é um intermédio de andamento, para o caso verdadeiramente despiciendo. Ou não se aspira a que venha o nós o reino dele? Dele, do subsídio. E não se deseja que seja feita a sua vontade? Vontade, dele, subsídio. Obviamente.
Além do mais, os candidatos a subsidiados não pedem, exigem. Trata-se de um direito adquirido, expressão que me causa sempre uns certos engulhos, porque não sei bem como se processa tal aquisição. Por compra? Por doação? Por herança? Por outorga? Mas, é também um direito humano, coisa inultrapassável, ainda que um tanto repetitiva de tão citada. Nada de mão estendida, pois; nada de requerimento em papel selado, que, aliás, já nem há; nada de abaixo-assinado, de tantos, já nem se lhes liga, não se os lê, quanto mais assiná-los.
Há-os de todas as qualidades, para todas as cores, em quantidades – é o que se sabe. Para arrancar vinhas; para plantar novas vinhas, o néctar está a dar, nunca houve tantos rótulos, que nascem como cogumelos, naturalmente não espontâneos. Para construir uma fábrica; para não a encerrar, a deslocalização é tramada, há que manter a unidade industrial dita produtiva. Para um pavilhão desportivo; para patrocinar os desportos que nele se praticam, até no futebol eles acontecem, veja-se o que se passa na Madeira.
Na passada semana, o Jornal do Fundão, símbolo e bandeira desde há muitos anos da imprensa regional (António Paulouro o deu à luz em 1946), publicou uma curiosa reportagem sobre o negócio das agências funerárias. Que tem de ser bom, tal o número que existe entre nós. É, na realidade, mais do que bom: é óptimo. De acordo com o texto, movimenta qualquer coisa como 400 milhões de euros por ano.
Diz o Povo, na sua infinita sabedoria, que a morte é a única coisa certa que um homem tem na vida. Não era preciso que o fizesse, porque é mesmo assim. Parece que essa inevitabilidade é, por muitíssima gente e por muitíssimas vezes, conservada em verdadeira obnubilação. Não vale a pena pensar nela, há também imensos cidadãos que o referem – mas tal como o São Tomás, fazei o que eles dizem, não o que ele faz.
Já pensaram alguma vez, uma que fosse, na imensidão de pessoal que sateliteliza o óbito? Não são apenas os gatos-pingados e, sobretudo os respectivos patrões. Despiciendo seria enumerar aqui a quase multidão, desde os agentes hospitalares que dão conhecimento imediato às funerárias, sempre em cima do falecimento, até aos periódicos que, nas páginas de publicidade, plantam anúncios encimados pela clássica cruz negra, algumas vezes valorizados pela fotografia do de cujus. Para já não referir as floristas – que ganham coroas com as coroas – finerárias. Disse bem, finerárias, ou não é a morte o fim?
Essa instituição que são os velórios é exemplo acabado dos que acabaram, mas, principalmente, dos que ficam. Até aí se podem quantificar os gastos mais diversos. Antigamente, e volta não volta era a cera das velas; hoje é a voltagem fornecida pela EDP. Mas, a par da energia do Senhor Mexia, há tudo o resto, uma panóplia complexa e cara.
Ora, perguntarão – mas que têm a ver os subsídios com os passamentos? O cu nada tem a ver com as calças, também refere o Povo supracitado. No caso vertente, que me desculpe a velha arraia-miúda, não é verdade. Não se refere o subsídio por morte, a quem resta sempre calham bem, são diminutos, mas a cavalo dado… Será bom que o Senhor Vieira da Silva não se aperceba disto.
Aqui, trata-se de uma outra pergunta e, quiçá mesmo, de uma sugestão. Que não se me afigura de todo impertinente. Seria um subsídio para morrer. Um sujeito receberia, atempadamente, um subsídio para se finar. Si non era vero, era bene trovato. Quem o disse não foi o Senhor Berlusconi, vem mais de trás.
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