4.2.08

Copiar não vale

Por Alice Vieira
ANTIGAMENTE, muito antigamente, quando a escola ainda era risonha e franca, os professores eram velhos e tinham cãs (ainda haverá hoje quem saiba o que isto quer dizer, para lá dos fanáticos das palavras cruzadas?) e barbas brancas que infundiam respeito e criavam simpatia (ainda haverá hoje alguém que recorde esta poesia que a minha geração aprendeu de cor?) – copiar era coisa muito feia.
Era-se penalizado por isso.
Podia-se reprovar num exame por isso.
“Ser apanhado a copiar” era expressão temida por causa das consequências que trazia consigo.
Claro que não havia certamente aluno nenhum que não o tentasse em momento de aperto, pedindo ao colega da frente que o deixasse olhar para uma resposta que lhe escapava; ou trazendo de casa minúsculas cábulas que enfiava nos punhos da camisola ou noutro lugar mais propício a uma rápida consulta, cada um tentando inventar maneiras mais subtis e originais de as fazer, sem se lembrarem de que os professores também tinham passado por essa fase e sabiam o que eles próprios também tinham “inventado” em matéria de copianço...
Mas todos sabiam que estavam a copiar e que isso não era exactamente uma coisa muito louvável…
Hoje em dia são os professores que ensinam os alunos a copiar. Que os incentivam a copiar.
Hoje em dia a cópia está institucionalizada.
Hoje em dia os alunos nem entendem que possa ser de outra maneira.
Chamem-lhe o que quiserem:“descarregar”, “fazer download”, o que quiserem: nunca deixará de ser uma cópia.
Eu chego a uma escola e ouço: “os alunos fizeram muitos trabalhos a seu respeito”. E encontro cinquenta, cem, duzentos trabalhos rigorosamente iguais; iguais, por sua vez, aos que já tinha encontrado na escola anterior, e na outra, e na outra, com os mesmos erros (nem a Wikipedia nem o Google são infalíveis…), com as mesmas desactualizações, com palavras difíceis de que nenhum deles sabe sequer o significado, etc.
Os meninos são ensinados a mexer num computador, a carregar nos botõezinhos necessários para que o texto apareça – mas depois ninguém lhes ensina que isso não basta, e que trabalhar e pesquisar não é isso. Isso é, pura e simplesmente, copiar. E, como se dizia no meu tempo, copiar não vale.
É claro que, quando lhes tento explicar isto, eles nem entendem de que é que eu estou a falar.
O pior é que os professores, quase todos eles muito jovens, também não.
Sorriem, ah como os meninos se esforçaram (?), ah como os trabalhos estão tão bem apresentados, e eu acabo por sorrir também, eu entendo que hoje em dia ser professor não é fácil – mas fico a pensar o que vão aqueles meninos fazer depois, quando mais tarde lhes exigirem mesmo outro tipo de pesquisa e eles não souberem o que é que lhes estão a pedir.
É evidente que, como em tudo, há uma ou outra (mas tão rara…) excepção, quase sempre até em escolas com grandes dificuldades e longe dos grandes centros, onde a tecnologia ainda não chegou em força e eles têm, coitados, de puxar pela cabeça…
E se há, é porque é possível.
«JN» de 3 de Janeiro de 2008

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1 Comments:

Blogger susy claro said...

Sou sua leitora há vários anos... o primeiro livro de que me lembro de ler foi "Rosa, minha irmã Rosa“, que ainda hoje tenho… Gosto muito, muito de ler as suas obras e já ofereci vários dos seus livros em aniversários e em outras ocasiões, porque é a prenda que mais gosto de oferecer...
Confesso que foi uma óptima supresa encontrar este blog onde posso ler as suas crónicas...
Vou ficar atenta à espera da próxima :)

13 de fevereiro de 2008 às 14:17  

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