Grossistas de palavras
A CRER NO QUE DISSERAM os jornais, Carolina Salgado declarou ao tribunal ser escritora de profissão.
E, tanto quanto sei, devia estar sob juramento.
E não lhe tremeu a voz.
E não corou.
Suponhamos agora que ela chegava e dizia, por exemplo, que era advogada. Ou juíza. O que é que lhe acontecia?
Porque para todas as profissões se requerem estudos, habilitações, trabalho esforçado, provas dadas. Para todas - menos para a de escritor. Que é, cada vez mais, uma profissão muito mal frequentada…
Ainda não há muito tempo um jornalista da nossa praça, depois de ter publicado um primeiro romance, também declarava que qualquer um podia ser escritor.
Mal acomparado, isto é assim como se uma pessoa que fosse muito habilidosa a coser bainhas se sentisse com todo o direito de coser a barriga de um desgraçado na sala de operações.
Claro que hoje qualquer um pode publicar um livro: ou paga do seu bolso, ou encontra uma editora que vá na conversa. Até porque os motivos que levam à escrita cada vez são mais estranhos, e o sucesso cada vez mais rápido, sob os holofotes das câmaras de televisão e das capas das revistas.
Emagreci trinta quilos? Escrevo um livro.
Mas logo a seguir engordei vinte quilos, e o meu homem bate-me todos os dias? Escrevo um livro.
Tramei o namorado que por acaso era do jet-set? Escrevo um livro.
Apareci duas vezes numa telenovela e dei três autógrafos? Escrevo um livro.
Desapareceu-me a bagagem no voo de Cancun? Escrevo um livro.
Descobri que o meu namorado é um crápula e me engana com a sobrinha da porteira que tem menos 20 anos do que ele? Escrevo um livro.
Digamos que é assim uma réplica com vagas pretensões literárias da frase que repetia aquela boneca à entrada da tenda de uma astróloga na velha Feira Popular: “um escudo, um escudo, que a Dora diz tudo!”…
É claro que os livros aguentam algumas semanas nos escaparates - enquanto o público se lembra das caras de quem os escreveu, ou chora pelas suas desgraças. Depois esquece tudo, até porque entretanto já há outros desgraçados a aparecer, e é preciso sofrer por outras tragédias - e os livros somem. Será que hoje ainda alguém se lembra do título do livro que escreveu aquele Mário, concorrente de um dos Big Brother, que depois até esteve preso (não, não foi por causa de ter assassinado o português…)?
Publicar um livro, por si só, não faz de ninguém um escritor.
Aqui no meu bairro houve em tempos uma agência turística. Fraca, sem rasgo, aguentou muito pouco tempo. Mas o dono, honestamente, intitulava-se “grossista de viagens”.
Aí está: “grossista de palavras” talvez não fosse má designação para esses que de vez em quando publicam umas coisas que, à primeira vista – e porque somos um país de míopes — até parecem livros.
Mas ainda o pior de tudo é pensarmos que, para haver livros tem de haver papel; e para haver papel tem de haver árvores.
É então que recordo, com saudade, o meu amigo José Palla e Carmo quando dizia: “meu Deus, a quantidade de árvores que é preciso deitar abaixo para se fazer papel de parvo…”
E, tanto quanto sei, devia estar sob juramento.
E não lhe tremeu a voz.
E não corou.
Suponhamos agora que ela chegava e dizia, por exemplo, que era advogada. Ou juíza. O que é que lhe acontecia?
Porque para todas as profissões se requerem estudos, habilitações, trabalho esforçado, provas dadas. Para todas - menos para a de escritor. Que é, cada vez mais, uma profissão muito mal frequentada…
Ainda não há muito tempo um jornalista da nossa praça, depois de ter publicado um primeiro romance, também declarava que qualquer um podia ser escritor.
Mal acomparado, isto é assim como se uma pessoa que fosse muito habilidosa a coser bainhas se sentisse com todo o direito de coser a barriga de um desgraçado na sala de operações.
Claro que hoje qualquer um pode publicar um livro: ou paga do seu bolso, ou encontra uma editora que vá na conversa. Até porque os motivos que levam à escrita cada vez são mais estranhos, e o sucesso cada vez mais rápido, sob os holofotes das câmaras de televisão e das capas das revistas.
Emagreci trinta quilos? Escrevo um livro.
Mas logo a seguir engordei vinte quilos, e o meu homem bate-me todos os dias? Escrevo um livro.
Tramei o namorado que por acaso era do jet-set? Escrevo um livro.
Apareci duas vezes numa telenovela e dei três autógrafos? Escrevo um livro.
Desapareceu-me a bagagem no voo de Cancun? Escrevo um livro.
Descobri que o meu namorado é um crápula e me engana com a sobrinha da porteira que tem menos 20 anos do que ele? Escrevo um livro.
Digamos que é assim uma réplica com vagas pretensões literárias da frase que repetia aquela boneca à entrada da tenda de uma astróloga na velha Feira Popular: “um escudo, um escudo, que a Dora diz tudo!”…
É claro que os livros aguentam algumas semanas nos escaparates - enquanto o público se lembra das caras de quem os escreveu, ou chora pelas suas desgraças. Depois esquece tudo, até porque entretanto já há outros desgraçados a aparecer, e é preciso sofrer por outras tragédias - e os livros somem. Será que hoje ainda alguém se lembra do título do livro que escreveu aquele Mário, concorrente de um dos Big Brother, que depois até esteve preso (não, não foi por causa de ter assassinado o português…)?
Publicar um livro, por si só, não faz de ninguém um escritor.
Aqui no meu bairro houve em tempos uma agência turística. Fraca, sem rasgo, aguentou muito pouco tempo. Mas o dono, honestamente, intitulava-se “grossista de viagens”.
Aí está: “grossista de palavras” talvez não fosse má designação para esses que de vez em quando publicam umas coisas que, à primeira vista – e porque somos um país de míopes — até parecem livros.
Mas ainda o pior de tudo é pensarmos que, para haver livros tem de haver papel; e para haver papel tem de haver árvores.
É então que recordo, com saudade, o meu amigo José Palla e Carmo quando dizia: “meu Deus, a quantidade de árvores que é preciso deitar abaixo para se fazer papel de parvo…”
«JN» de 13 Abr 08
NOTA (CMR): relativamente à imagem, ver comentário-1
Etiquetas: AV
10 Comments:
A imagem que aqui se mostra, escolhida para ilustrar uma frase do género «Uma senhora que abraçou as letras», foi-me enviada sob a forma de um «GIF animado».
Porém, e ao contrário do que sucedeu com outras semelhantes, uma vez afixada no blogue o efeito de animação desaparece.
Alguém sabe o que fazer para a "pôr a mexer"??
Para a receber, basta enviar um e-mail para sorumbatico@iol.pt, escrevendo em assunto a palavra "letras".
Em vez de fazer o upload da imagem, faça «copy» do Url (que está nas propriedades do documento) e a seguir «paste» para o post, na vertente HTML. Deve dar.
Já há tempos, noutro local, tive oportunidade de me divertir com o assunto. Em resumo, dizia eu que as pessoas ou entidades que superintendem nestas coisas deviam propôr a senhora para prémio Nobel da Literatura deste ano. Como dizia o outro, não li o livro e não gostei, mas pelos quilos que dizem ter vendido (quantas árvores, meu Deus), deve ser coisa merecedora e assim o Saramago não ficava sozinho. Claro que o Lobo Antunes tinha uma apoplexia, mas é a vida, como diria um outro. Posso subscrever a petição para o Nobel? Onde?
Afinal é provável que não dê... A minha sugestão fica sem efeito! Vou ficar à espera da solução deste verdadeiro enigma!!!
Sailor Girl,
O que me faz confusão é que, de outras vezes (mas tembém nem sempre...), funcionou:
Recebi a imagem como anexo em mail normal, fiz o save-as GIF, e mais tarde afixei-a.
Vamos esperar que alguém ajude.
Carlos, não sei se é o caso, mas nem todos os ficheiros com extensão GIF são animados. Eu também tenho esta imagem e não é animada. Mas já me aconteceu afixar uma imagem animada e no blog não ficar... tem certamente uma explicação, mas não conheço.
Prezado Carlos,
Parece-me que as imagens GIF que são armazenadas no Blogger perdem a animação, por um qualquer motivo, propositado ou não. Isso mesmo aconteceu a um GIF animado que eu próprio coloquei no meu defunto blogue (sabe-se lá se não ressuscitará um dia...), mas isso não me preocupou, porque a animação não fazia falta nenhuma. Experimente armazenar o GIF num outro site (há muitos sites gratuitos onde o pode fazer, como sabe) e colocar o seu novo endereço no post, em vez do do Blogger.
1-Fátima,
Este, é animado. A senhorita abre e fecha os olhos, como poderá ver se eu lhe enviar por mail.
--
2-Denudado,
Nem todas, como digo. Neste mesmo blogue, meti (mas não sei bem onde está...) uma girafa a ruminar, e acho que ela ainda não parou!
-------
Resumindo e concluindo:
Nesta imagem, a animação não faz falta nenhuma. Trata-se apenas de um mistério tecnológico, que poderá ter interesse ser esclarecido.
Obrigado a todos!
Se esclarecerem este puzzle, avisem-me!!!
DESCOBRI A FÓRMULA!!! (ou não fosse eu um carneiro obstinado e determinado!!!)
Acabei de a descobrir sem querer, ao tentar por um Planeta Terra rotativo no Atlântico Azul!!!!
Enviar um comentário
<< Home