6.5.08

Matemática sem laranjas

Por Nuno Crato

AS NOTÍCIAS QUE NOS CHEGAM dos estudos científicos sobre a educação têm vindo a contradizer muitos lugares comuns, incluindo muitos ainda hoje disseminados, paradoxalmente, em nome dos «estudos de educação». Sobrevaloriza-se, por exemplo, a importância dos exemplos concretos na aprendizagem da matemática. Afirma-se que é preciso começar com exemplos de laranjas ou pizas, que tudo deve partir de situações concretas, que a abstracção só deve vir depois, e apenas de forma natural e não imposta.
Estas ideias encontram algum eco, naturalmente. Muitos pais e professores estão preocupados com o ensino. Reconhecem nos jovens dificuldade em apreender conceitos matemáticos. Vêem que muitos são capazes de resolver alguns problemas de papel e lápis, mas têm dificuldade em aplicar os seus conhecimentos em situações concretas — parece que se esquecem do que aprenderam. Não fazem pois aquilo que em psicologia cognitiva se chama «transferência».
Estas preocupações são legítimas, claro. Mas a corrente pedagógica construtivista têm acentuado estes problemas, que são reais, muitas vezes concluindo, erradamente, que todo o ensino deve ser feito em contexto.
Um importante estudo publicado na semana passada na «Science» (320, p. 454) fez uma comparação controlada da capacidade de transferência de conceitos algébricos em estudantes ensinados de três maneiras diferentes: apenas com exemplos concretos, com exemplos concretos e com estudo abstracto e apenas com estudo abstracto. Os estudantes que melhor foram capazes de aplicar os novos conhecimentos a novas situações concretas reais foram os últimos.
Surpreendente? Às vezes as laranjas fazem esquecer a matemática.
«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 3 Mai 08

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1 Comments:

Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Comentário enviado por mail por Gabriel Mithá Ribeiro:


Caro Prof. Nuno Crato

A esse propósito, embora um texto extenso, não resisto em «despejar» o que escrevi em 2003:
«Na disciplina de História (...) a pedagogia vivia fascinada, na época em que fiz estágio [1992/1993], por um absurdo designado por dialéctica passado/presente. Espero que hoje o bom senso leve a que se tenha alguma relutância em utilizá-lo nas aulas, pelo menos como nós o fazíamos. Nesse ano de estágio, qualquer assunto ou tema deveria começar, de preferência, por algo de semelhante da actualidade, que os alunos supostamente dominassem. Era a forma tida como eficaz para motivá-los.
Na prática, ao optarmos por essa via, desvalorizávamos a História, negando identidade própria às situações históricas. Ou seja, para tudo o que se quisesse conhecer do passado dever-se-ia procurar algo de estruturalmente semelhante no presente, com o pressuposto de que as crianças e adolescentes conheciam o mundo que os rodeava. Depois disso, iríamos ao passado. Isso fazia perder tempo? Não havia problema, pois cumprir o programa da disciplina não era importante, mas sim os alunos. Nem que, para isso, gastássemos metade do ano a debater o presente.
Resultado: para quê ir ao passado se se tem tudo no presente? Logo, duas consequências: a desvalorização identitária do passado e a inutilidade da escola que quer ensinar o que já se sabe. Ensinávamo-los, desse modo, a viverem virados para o seu próprio umbigo.
Lembro-me de ter começado uma aula sobre a concorrência entre Portugal e a Espanha na época da Expansão, pedindo aos alunos que debatessem a recente rivalidade entre a URSS e os Estados Unidos da América que eles supostamente conheciam. O resultado foi uma conversa estéril. A especificidade mágica da Expansão dos séculos XV e XVI e o «Tratado de Tordesilhas» (1494) foram completamente desvalorizados. Mas tive o apoio do orientador de estágio para essa brilhante prática pedagógica.
Outra aberração, relacionada com a anterior, é a importância excessiva dada ao contexto em que os alunos vivem. As teorias pedagógicas insistem, por exemplo, em defender que em Beja se deve leccionar a mesma disciplina de uma maneira, no Minho de outra e por aí fora, porque os interesses dos alunos são supostamente diferentes. Esse atomismo pedagógico, que ainda tem os seus arautos (recentemente me deparei com uma acérrima defensora, hierarquicamente bem instalada, que dizia ter interrompido as férias para nos vir explicar à escola esse disparate, entre muitos outros), nada tem de útil ou de científico, a não ser em raríssimas excepções. Há quem queira torná-lo regra, dinamizando a confusão. Sou daqueles que defende que o que é importante ensinar e aprender no ensino básico é o universal. Isso pouco ou nada muda com o lugar e, em muitas matérias, nem sequer o tempo é decisivo, a não ser o lento tempo longo.
Esta postura, que começa a cheirar a bafio, até pouco tem a ver com a realidade social dos nossos dias, marcada por desenraizamentos geracionais e/ou migratórios e por influências nacionais e transnacionais, como a televisão, a música ou os hamburgueres. O que sobra de paroquial nos dias que correm não é, seguramente, do âmbito da escola. Pode até ser uma reacção que tem na escola um dos seus alvos. Porém, os teóricos continuam a achar que devemos dormir com o inimigo. Mas, por agora, pretendo que a questão central da minha observação remeta, acima de tudo, para o domínio da universalidade do conhecimento científico.» in: A Pedagogia da Avestruz (2003)
Um abraço,
Gabriel

9 de maio de 2008 às 08:27  

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