14.5.08

Quem defende Lisboa?

Por Helena Roseta

NOVO AEROPORTO, Rede de Alta Velocidade Ferroviária e Terceira Travessia do Tejo (TTT) são três grandes infra-estruturas públicas que vão revolucionar a região metropolitana de Lisboa. A forma como o processo de decisão tem sido conduzido, nos três casos, está eivada de erros. Estas três decisões deviam estar profundamente interligadas, mas não foi isso que aconteceu. Desviar o aeroporto da Ota para Alcochete implica rever os traçados da rede do TGV, que por sua vez têm repercussão na escolha da melhor localização para a Terceira Travessia. Mas parece que cada dossier é visto e decidido à parte. Num país normal, os vários cenários teriam sido preparados para uma discussão pública conjunta e haveria estudos de impacto ambiental preliminares, sem os quais nenhuma decisão seria anunciada. Não foi isso que sucedeu. Portugal comprometeu-se internacionalmente com o TGV, nas Cimeiras Ibéricas de 2003, 2004 e 2005, de acordo com um traçado previamente definido por Espanha e que tivemos de aceitar porque estamos a jusante. O calendário acordado obriga-nos a concluir a ligação Lisboa-Madrid até 2013, com tráfego misto ( passageiros e mercadorias ). E daí a pressa: não se pode perder o comboio dos fundos europeus.
Estou convencida do interesse nacional, como país periférico que somos, de termos boas ligações aeroportuárias, marítimas e ferroviárias. Mas não a qualquer preço nem à custa da defesa do território, da paisagem e da qualidade de vida das pessoas, em qualquer ponto do país ou na minha cidade.
A história das decisões sobre estas infra-estruturas mostra a total incapacidade de concertação institucional. O governo decidiu primeiro e admitiu debater depois. No caso do aeroporto, teve de ceder ao clamor dos protestos – e acabou por entregar ao LNEC a responsabilidade do parecer final, para justificar o seu próprio volte-face. No caso do TGV, a RAVE andou a anunciar a abertura de concursos públicos desde 2007, muito antes de estarem esclarecidas questões como o traçado definitivo, a entrada em Lisboa, o serviço do novo aeroporto (que entretanto mudou de sítio) e o atravessamento do Tejo. Quanto à ponte, é a única que se mantém onde o Plano Regional da Área Metropolitana a previa há muitos anos. Mas o governo esqueceu a sua função eminentemente regional e não fala sequer da urgência de uma política metropolitana de transportes e mobilidade, com a respectiva Autoridade Metropolitana, criada no papel em 2003 mas em pousio legislativo há pelo menos três anos.
Eu sei que em questões tão complexas há pontos de vista contraditórios. Sei que a escala nacional nem sempre se conjuga com os interesses regionais e locais. Sei que na região de Lisboa os interesses e problemas da margem direita não são iguais aos da margem esquerda. Sei que o Barreiro, o Seixal e a Moita se batem por esta ponte, com os dois modos – ferroviário e rodoviário – porque acreditam que ela lhes trará novas oportunidades competitivas. Mas Lisboa continua a perder gente e actividades económicas a um ritmo assustador. Segundo o INE, entre 2001 e 2006, Lisboa perdeu 9,1 por cento da sua população, enquanto o Barreiro praticamente estabilizou ( - 0,5 por cento ). A rede viária e a qualidade urbana de Lisboa dificilmente comportam mais dezenas de milhares de carros a entrar todos os dias. Por razões de sustentabilidade devíamos estar a promover o transporte colectivo e não o individual. Mas as decisões das famílias são condicionadas pelo poder de compra e as políticas tarifárias de transporte são absurdas. Sai mais barato andar de carro.
É por isso que não me conformo. Nem com um ordenamento do território irracional e desarticulado. Nem com decisões anunciadas antes de serem debatidas. Nem com o silêncio cúmplice da autarquia. Nem com a inevitabilidade dos automóveis na nova ponte.
Não basta acenar com contrapartidas financeiras. Lisboa está em crise orçamental, mas há erros que não têm preço. É também por isso que não me vou calar. Vou exigir que todos os impactos – no ambiente urbano, na paisagem, no funcionamento da cidade e no bolso dos contribuintes – sejam estudados com rigor e publicamente discutidos. E que só depois haja uma decisão definitiva. O território que hoje ocupamos é um legado. Não temos o direito de o delapidar, por maior que seja a urgência no cumprimento de compromissos que, apesar de imediatos, deixarão rasto durante várias gerações.
«24 Horas» - c.a.a.; foto obtida [aqui]
NOTA: Helena Roseta é, a partir de hoje, autora-convidada deste blogue.

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2 Comments:

Blogger Sepúlveda said...

Questões a apontar:

- Ainda bem que foi revista a localização para o novo aeroporto. É claro que se devia ter começado por estudar as possíveis localizações de toda a área em que podia ser construído um aeroporto com grandes possibilidades de expansão e prevendo os outros requisitos pertinentes.

- Portugal é periférico para a Europa mas isso torna-o altamente central (a um nível mais abrangente) nas ligações aos países de todo o continente americano (por vias aéreas e marítimas) e a África (via marítima).

- O Alfa Pendular parece que é um comboio tão bom quanto o TGV nas ligações internas do país, mas que simplesmente não tem as linhas optimizadas. TGV até Lisboa faz sentido como ligação ao país vizinho e mais além... mas mais que isso é um desperdício. Especialmente se for para parar em várias capelinhas do nosso Portugal seja para Norte ou para Sul.

- Ninguém ainda apontou o dedo (como quem diz "fez alguma coisa") aos preços "vítima" de especulação da habitação em Lisboa. Até que ponto o país desperdiça fundos devido a deixar que as pessoas sejam obrigadas a viver aos magotes fora de grandes cidades, lá tendo de trabalhar e para onde se deslocam sempre com as grandes dificuldades que ouvimos nos rádios todas as manhãs e tardes. E, depois disto, sim, a mobilidade urbana é miserável.

De resto concordo com tudo.
Falta-nos planear a 100 anos. Não temos verdadeiras estratégias. Só tácticas para nos safarmos de crises para as quais temos muita queda.

(E agora um chorozinho para a esperança.)

Somos milhões... descontamos e contribuimos em impostos que nem uns camponeses dum feudo da idade média e ainda pagamos mais taxas de tudo e mais alguma coisa (com IVA, está claro). Mostrem lá o saco do ouro escondido nas finanças e metam o país a funcionar.

14 de maio de 2008 às 23:16  
Blogger sguna said...

Lisboa a continuar a ser descriminada assim, em breve terá 10 milhões de habitantes, pois não vai haver nada no resto do país! Mas concordo, além de esbanjarem a fazenda pública, esbanjam mal! Mesmo assim, ao ler este artigo, não consigo parar de pensar: coitadinhos!

16 de maio de 2008 às 09:42  

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