12.5.08

Quem defende o Jardim Botânico?

Por A. M. Galopim de Carvalho
TENHO VINDO A ASSISTIR, nos últimos tempos, a sinais preocupantes que começaram a fazer algum sentido com a apresentação pública, no pretérito dia 3 de Março, de cinco projectos de arquitectura visando toda a área urbana que sobe do Parque Mayer até à Politécnica e edifícios anexos, passando pelo Jardim Botânico, essa jóia da biodiversidade vegetal vinda, há muito, de todos os cantos do Mundo. Pelas imagens e pelo discurso de alguns dos projectistas, fiquei com a ideia de que, em benefício de uma indústria e especulação imobiliárias, envolvendo muitos e muitos de milhões de euros, o Museu Nacional de História Natural (MNHN), muito mais do que beliscado, poderá ficar seriamente amputado, não só no seu mais que limitado espaço, mas também nos seus legítimos e justificados propósitos de desenvolvimento.
É claro que um empreendimento desta dimensão não pode deixar de agradar à autarquia, carente que está de fundos. Do mesmo modo, penso que está a ser visto, pela reitoria da Universidade de Lisboa, como uma promessa de financiamento para fazer face às suas múltiplas carências. A minha preocupação é, neste momento, mais do que muita, tendo em atenção o que foi dado conhecer nessa cerimónia, pela demasiada urgência que está a ser pedida para a concretização deste megaprojecto e, também, pelo mutismo da tutela. Vai para cinco anos que, por imposição do limite de idade, deixei a direcção do MNHN e, referindo-me apenas a este museu, sei, pelo que ali se fez e pelo que ali existe de capacidade para fazer, que todo o espaço do grande edifício não seria de mais para albergar um Museu de História Natural digno de um país que abriu o mundo à Europa dos séculos XV e XVI, uma instituição, com século e meio de investigação e ensino, que conquistou uma vitalidade museológica de merecido destaque no panorama nacional. Ora dos projectos apresentados, não só ressalta a grande capacidade dos seus mentores para trabalhar formas e volumes, mas também o insuficiente conhecimento que têm dos patrimónios material e intelectual aqui preservados e, consequentemente, o pouco respeito que os mesmos lhes merecem. É, pois, urgente que, não só os docentes universitários e os investigadores nas áreas das ciências exactas e naturais, mas também o cidadão de Lisboa, venham a público e, assim, engrossar as vozes dos que, na Universidade, se opõem à eventual alienação de partes importantes deste espaço, se opõem ao projectado envolvimento do Jardim Botânico por altos e volumosos hotéis de cinco estrelas e prédios de apartamentos de luxo, com vistas para o dito, e contestam, ainda, a reconversão desta jóia da biodiversidade verde num parque de recreio e lazer. Que, por exemplo e relativamente a Araucaria cunninghamiana, Ceiba crispiflora, Fagus syilvatica, Sequoia sempervirens ou Taxus baccata - aqui, há muito, em equilíbrio neste pequeno e, dir-se-ia, milagroso ecossistema - os botânicos venham dizer se estas belas árvores saberão ou poderão conviver, saudáveis, afogadas em betão e sob a pressão de um demasiado número de visitantes, número que não é difícil imaginar se se concretizar a sua abertura através do Parque Mayer, nalguns dos moldes dados a conhecer.
NOTA: as crónicas que o autor aqui afixa estão também disponíveis no seu blogue-arquivo Sopa de Pedras.

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