26.7.08

A Divina Providência

Por Antunes Ferreira
NÃO HÁ FOME que não dê em fartura, diz o Povo na prática da sabedoria que lhe é característica – e milenar. Mas, não trato aqui de escalpelizar os rifões populares, coitados, que para o assunto só servem mesmo de termo de iniciação do escrito. Seja-me relevada a falta.
Entro ao que vim: a Divina Providência – cautelar. Houve um tempo, não tão afastado como isso, em que o cidadão comum, quando ouvia a expressão, franzia o cenho e perguntava – mas que raio é isso? De que se trata? Os ínvios percursos jurídicos davam – e dão, e darão – motivos mais que sobejos para essas inquirições vindas da plebe. Da plebe – e não só. (Há que tempos que não usava esta expressão, de tal forma que, ao fazê-lo hoje, sinto um gozo avolumado).
Uns quantos privilegiados sabiam do que se tratava e outros, em número ainda menor, até sabiam como apresentá-la aos doutos tribunais. A síndrome do Santo dos Santos vigorava e ninguém diria que esse quase mistério insondável das escrituras judiciais caminhava a largos passos para o vulgar de Lineu. O que acabou por acontecer.
Hoje, qualquer fulano interpõe uma providência cautelar. Não acreditam? Uns exemplos, a esmo:
A CMP, e mais precisamente o seu presidente Rui Rio, decidiu-se pela requalificação do tristemente conhecido Bairro do Aleixo. Onde a droga circula com uma olímpica serenidade. Na prática, demolir-se-ão cinco torres de muitos andares.
O pessoal não gosta. Diz que Rio disse que não demolia (para ganhar a Câmara, em tempo eleitoral) e vai mesmo demolir. Toma lá com uma providência cautelar. O edil desvalorizou a hipótese/ameaço: «é normal que metam uma providência cautelar, hoje em dia em Portugal mete-se uma providência cautelar por tudo e por nada».
O Senhor Gonçalves Pereira, presidente do incrível CJ da FPF não ficou satisfeito com a cegada, mais uma, que foi a reunião a dois tempos do órgão federativo. Ora toma lá com uma providência cautelar. Uma não; duas. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa deu provimento às duas, suspendendo a efectivação das deliberações surgidas da tal sessão. Os campeonatos que esperem.
A Airplus TV Portugal requereu à Autoridade Nacional das Comunicações (Anacom) a nomeação de uma nova comissão de avaliação para reapreciar as propostas para a Televisão Digital Terrestre (TDT) paga, depois de concurso em que a Portugal Telecom (PT) conquistou o primeiro lugar. "Este júri não demonstrou ter as qualidades de competência e de isenção necessárias para avaliar um processo desta natureza", afirmou o presidente da operadora sueca em Portugal, Luís Nazaré. E, desde logo, se aventou nova hipótese: ora toma lá com uma providência cautelar.
Providências cautelares são, nos dias que vão correndo neste Portugal taciturno, corriqueiras. Andam por aí, como ameaçou o outro. Divinas Providências.
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NOTA (CMR): esta crónica, juntamente com outras do mesmo autor, está também no blogue Travessa do Ferreira

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3 Comments:

Blogger Margarida Serôdio Martins said...

Concordo com o Dr. Antunes Ferreira. Isto está uma bandalheira. E se calhar nem sabe o Prof. Freitas do Amaral em que ninho de víboras se meteu.

Insultos soezes, ataques descabelados, insinuações escaldantes, afirmações despudoradas e gravíssimas - é o que por aí não falta. Já ninguém se safa. Agora vai-se ao mar, para... não voltar.

27 de julho de 2008 às 01:13  
Blogger João A. Raul Silva said...

Concorco com o Antunes Ferreira - e aplaudo. Escreve muito bem, tem ideias, ironia e sabe ser cáustico. Gosto.
Quanto ao Freitas - passou de Insigne Mestre Universitário para «Desinsigne» Burro e Adversário...
Assim vamos...

28 de julho de 2008 às 00:58  
Blogger Márcia Reboredo Du Maria said...

Continuo adorando o que você escreve. Me espanta que não receba mais comentários.Aqui, tem muitos em todos os blogs. Um beijinho

28 de julho de 2008 às 17:47  

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