Crimes religiosos
Por C. Barroco Esperança
A TRAGÉDIA QUOTIDIANA de crimes com motivações religiosas não pára. Há quem, em nome do respeito pelo multiculturalismo e pela fé individual, contemporize com a fanatização de crianças, através da catequese, e de adultos com enraivecidas homilias.
As catequistas da minha infância incutiam nas crianças o ódio aos judeus, comunistas, maçons e ateus, ao mesmo tempo que, com inflamada piedade, dedicavam orações a um reles ditador que apelidavam de salvador da Pátria e cujas funções atribuíam a desígnio divino.
A experiência pessoal ensinou-me a estar atento à educação deletéria de todos os beatos, particularmente dos religiosos, e a recusar as escolas do crime, que visam o proselitismo e a perseguição às liberdades individuais.
As religiões são associações de fiéis, idênticas aos partidos políticos e a colectividades, sujeitas ao primado da lei e ao escrutínio dos tribunais. Não se lhes pode permitir que, em nome de Deus, combatam o Estado de direito e defendam o racismo, a xenofobia e a violência. Não se lhes pode tolerar o terrorismo e o desprezo pelos princípios que regem as sociedades civilizadas nem que se tornem organizações totalitárias.
Segunda-feira foi cometido mais um atentado, na Argélia, contra uma escola superior militar. Morreram mais de quarenta pessoas, quase todas civis, vítimas de um suicida islâmico que conduziu um veículo com explosivos que atingiram um autocarro de passageiros e vários automóveis que ali circulavam.
Se um partido político fizesse a apologia terrorista contra os adversários era ilegalizado, mas a religião gera cumplicidades e medos que lhe permitem aumentar o poder e tornar a sociedade e a civilização reféns de um deus violento, cruel, vingativo e esquizofrénico semelhante aos homens que o criaram em períodos tribais, bárbaros e patriarcais.
É tempo de pôr cobro à demência prosélita dos crentes fanatizados, julgando e punindo os pregadores do ódio.
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NOTA: esta crónica, juntamente com outras do mesmo autor, está também no blogue Ponte Europa
NOTA: esta crónica, juntamente com outras do mesmo autor, está também no blogue Ponte Europa
Etiquetas: CBE
1 Comments:
A situação na Argélia é muito especial, pois é uma mistura de terrorismo (ataques indiscriminados a civis) e guerra civil de guerrilha (ataques a polícias e militares, falsas-barragens, uso de fardas falsas, etc).
Há 9 ou 10 anos estive em Argel por várias vezes, no auge da violência, e sei o medo que senti:
Bombas em táxis (no centro da cidade, de dia), outras em comboios (nem pensar em viajar neles), tiros nas ruas, barragens de militares e polícias por todo o lado, detectores de metais em edifícios públicos e hoteis, saídas à rua só acompanhado com argelinos, população em tensão permanente, etc. E viagens fora de Argel, só com escolta armada.
Nessa época, o número de mortos já estava estimado em 100 mil...
Na origem de tudo, está algo que nos faz pensar nos limites da Democracia, tal como a entendemos: o que acontece se, em eleições livres, ganham "os outros", os "não-democratas"? Na Argélia, o Ocidente deu a resposta: anulam-se a eleições, ilegalizam-se os vencedores e vota-se outra vez.
Mais tarde, quando eu lá estive, houve também umas eleições presidenciais muito curiosas:
Concorreram 13 candidatos, dos quais seis foram considerados "não aceitáveis". Em consequência, 6 dos 7 que ficaram recusaram-se a participar. Ficou então Bouteflika, sozinho, que ganhou democraticamente...
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Seguidamente, deixo um resumo do que lá se passou, tirado [daqui]. Pelo que pude saber, no seguimento das minhas conversas com inúmeros argelinos, está correcto:
«Em 1989, o regime dá início à abertura política com uma nova Constituição, que admite partidos de oposição. Dentre eles, o mais importante é a Frente Islâmica de Salvação (FIS), fundamentalista, que quer reorganizar o Estado com base na religião muçulmana.
Nas eleições de 1990, a FIS sai vitoriosa. Promove anistia a presos políticos, retorno de exilados, lança campanha contra a influência ocidental e aprova lei que torna o árabe a língua oficial, em detrimento do francês e do berbere (falado pelos nômades do deserto).
Nas eleições de dezembro de 1991, a FIS conquista 188 cadeiras no Parlamento, contra 43 dos demais partidos. A vitória iminente da FIS no segundo turno, que definiria as 199 vagas restantes, determina um golpe de Estado liderado pelo Exército...
Golpe militar
Em 11 de janeiro de 1992, o presidente Chadli Bendjedid renuncia. O poder passa às Forças Armadas, que nomeiam Mohamed Boudiaf para presidência. Veterano da guerra da independência, ele estava exilado desde 1964...»
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