23.9.08

Equinócio

Por Nuno Crato

NA PRÓXIMA [passada] SEGUNDA FEIRA, dia 22 de Setembro, tem [teve] lugar o equinócio de Outono. Todos sabemos do que se trata. É o momento que marca o fim do Verão e o começo do Outono; é a altura em que o Sol aparece tanto tempo acima do horizonte como abaixo dele. Os astrónomos definem-no de uma maneira precisa: é o momento em que o Sol nos aparece no equador celeste.
É uma data mais difícil de determinar do que parece. Não é verdade que tenha os dias exactamente iguais às noites. E entre dois equinócios não passam exactamente 365 dias, passa um pouco mais, passa quase um quarto de dia, que se recupera nos anos bissextos.
Há milhares de anos que o equinócio é um dia especial. O que significa que há milhares de anos que se sabe registá-lo. Se pensarmos bem, trata-se de um feito extraordinário.
Imagine que o leitor e um grupo de amigos naufragam e ficam uns anos numa ilha deserta. Imagine que pode escolher esses amigos entre as pessoas mais inteligentes e dotadas que conhece. Mas que não pode escolher nenhum que saiba astronomia. Nessa ilha deserta, sem relógios, sem calendários, sem telefone, sem televisão e sem Internet, tentem agora determinar o dia do equinócio. Imaginem que têm anos para o fazer e que podem ir fazendo experiências.
Os astrónomos da Antiguidade conseguiam detectar o equinócio com grande precisão. Não iam ao rigor do segundo, que hoje se consegue. Mas não se enganavam na data. Vestígios arqueológicos indicam que, mesmo antes da escrita, algumas civilizações também assinalavam os equinócios.
Podemos sugerir um processo ao alcance dos nossos naufragados. Ao longo dos dias, marquem as sombras projectadas por uma vara espetada verticalmente no solo; esperem pelo dia em que as sombras do nascer e do pôr do Sol se encontram exactamente na mesma linha recta. É o dia do equinócio. Os antigos seguiam este processo e alguns outros semelhantes.
Parece simples, mas tente o leitor fazê-lo. Verá que os problemas práticos são imensos: como colocar a estaca exactamente na vertical, como registar a sombra com o sol exactamente no horizonte, como fazê-lo dia após dia...
Este pequeno exercício de imaginação ajuda-nos a perceber que a astronomia antiga não era tão inútil e ingénua como por vezes parece — muita gente gosta de ironizar dizendo que antes de Copérnico nem sequer se sabia que a Terra orbitava o Sol; no entanto, o saber acumulado era imenso.
O exercício ajuda-nos a perceber uma outra coisa ainda: é totalmente desavisado esperar que as crianças descubram por si factos como estes. E é uma mistificação. São conhecimentos que parecem elementares, mas que representam muitos séculos de esforços pela compreensão do mundo. O ensino tem de ser a transmissão organizada e acelerada de conhecimentos. Quanto mais activa for a aprendizagem tanto melhor. Mas tem de ser, na melhor das hipóteses, uma redescoberta orientada. Nenhum jovem tem à sua disposição séculos para descobrir tudo por si.
«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 20 de Setembro de 2008 - adapt.

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