1.11.08

Um mínimo de dignidade (*)

Por Antunes Ferreira
DISSE, REDISSE, ESCREVI, REESCREVI – este é um País de loucos que não prestam. Corrijo: nós, os Portugueses, não prestamos. (Quem sou eu para me pôr fora da carroça? Isto porque o TGV ainda vem longe. Sou esforçada e declaradamente Português). Assim, para mim, o meu País não presta. Repito ainda: felizmente que existem muitíssimas excepções. O problema é serem-no. Mas, no meu entender, não são suficientes para alterar a afirmação genérica que produzi e produzo. E reproduzo.
O primeiro-ministro deu conta que em 2009, o salário mínimo nacional aumentará para 450 euros mensais. Ou seja, passará dos actuais 426 para a «fortuna» que foi anunciada. Isto é, 24 euros por mês. Para quem ainda faz contas na antiga moeda o cálculo é fácil: multiplique-se por 200, o que dá 4 800$00. Um desvario deste Governo, dizem uns quantos.
Os representantes dos trabalhadores apressaram-se a comentar que não é novidade: em sede de concertação social, este era o montante acordado para 2009. O líder da UGT, João Proença, não teve qualquer retraimento a esse propósito. Ou seja, é pouco – mas é o que se pôde arranjar. E convém não esquecer que, quando a esmola é grande, o pobre desconfia.
Do outro lado da trincheira. Que os patrões protestem, ainda vá. Para eles, o ideal seria que não houvesse qualquer aumento. É o procedimento habitual. A CIP, que também rubricou o acordo, veio pressurosamente dizer que, neste novo contexto de crise financeira mundial, o Governo deve convocar os parceiros para redefinir o valor.
E até mesmo a Associação Nacional de PME considerou que o aumento do salário mínimo terá como consequência directa a expansão do número de beneficiários do subsídio de desemprego. E deixou uma ameaça: ela «não se vai manifestar, mas vai determinar junto dos associados que não renovem os contratos precários».
É neste contexto quase «normal» na nossa costumeira anormalidade que surgiu um motivo de espanto. Manuela Ferreira Leite insurgiu-se contra a medida. Considerou a dirigente máxima do PSD que, tendo em conta a actual crise, e sem se saber o estado do país no próximo ano, José Sócrates devia ter sido mais prudente. «Se estivesse no lugar do primeiro-ministro, não teria feito esse anúncio, desde já», ainda que não queria dizer «que não o tentasse executar, mas não o faria com um ano de antecedência (…) Eu não queria chamar irresponsável, mas roça muito o nível da irresponsabilidade».
Bagão Félix, o centrista que foi ministro das Finanças de Santana Lopes, apoiou a medida. E sublinhou que não percebia o argumento de que, aumentando o salário mínimo muito, gera-se mais desemprego, o que estava por demonstrar. Podia fazê-lo «apenas teoricamente, mas acima desses argumentos está a promoção da dignidade humana», disse. O CDS-PP tocou a mesma tecla, ainda que exigindo a Sócrates mais apoio às PME.
O chefe do Governo reagiu: «Reparem bem na mesquinhez do que estamos a discutir: a evolução e a passagem de trabalhadores que ganham 426 euros para 450 euros». E disparou sobre «os mesmos que aparecem tantas vezes na televisão a chorar lágrimas de crocodilo, a propósito dos novos pobres»: foram os primeiros que vieram dizer que o País não devia aumentar o salário mínimo, depois de tal sido acordado na concertação social. Referindo-se directamente ao partido laranja e à sua líder, Sócrates especificou que não era «capaz de entender essas criticas» e que via, «aliás de forma lamentável, que a primeira medida de carácter social que o PSD apresenta seja recusar o aumento do salário mínimo».
Então, que dizer desta extraordinária confusão… Como sempre o Executivo socialista é uma nódoa, tudo o que faz é mal feito, é apenas propaganda mentirosa e patati, patatá. Só falta dizer que o culpado da crise financeira internacional, da quebra americana, das repercussões mundiais, da chuva fora de horas ou da guerra no Congo Brazaville é o… Sócrates. Se ele já o é em tantas ocasiões e circunstâncias…
O primeiro-ministro deve pensar para com os seus botões que com inimigos destes nem precisa de ter amigos. Não é bem assim, mas serve perfeitamente.
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(*) - Esta crónica substitui a que aqui foi afixada com o título «Salário Mínimo»

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10 Comments:

Blogger Fernando Sosa said...

Começo pelo fim: porque é que os empresários iriam contestar aumentos pequenos nos salários dos trabalhadores? Não lhes cabe a eles essa tarefa como é lógico. O normal é cada um defender os seus interesses. Toda a vida assim foi...
Também não vejo os trabalhadores a defenderem os patrões: a pedir redução do IRC ou do IRS sobre os maiores escalões. É perfeitamente natural este tipo de comportamento, de um lado e de outro.

Bagão Félix parece querer apontar no sentido em que não existe relação entre desemprego e salário mínimo. Aponta o dedo à teoria económica. Então e se em vez de palavras vagas sobre teorias potencialmente vagas, fizesse um estudo econométrico sério (ou analisa-se algum já existente) e tirasse conclusões mais exactas?

Está para durar esta desorganização no PSD...

1 de novembro de 2008 às 12:48  
Blogger Jorge Oliveira said...

Bagão Félix não é militante do PSD.

1 de novembro de 2008 às 14:56  
Blogger Jorge Oliveira said...

Eu não sou patrão e advogo, não a redução, mas sim a total eliminação do IRC. Porque não faz sentido taxar os lucros das empresas. Uma empresa tem donos e credores, que são as pessoas a que se destinam os cash-flows com origem na empresa. É aí que devem ser aplicados os impostos. Isto não tem nada a ver com patrões e trabalhadores. É uma questão de lógica.

1 de novembro de 2008 às 15:00  
Blogger Fernando Sosa said...

Admito que a minha afirmação não foi correcta por não a ter devidamente esclarecido. É verdade que Bagão Félix já não milita no PSD, mas fez parte do último Governo laranja. Como tal, as suas críticas não têm o mesmo tom de um socialista e aumentam a instabilidade no PSD que teima em não cessar.


Eu sou da opinião que uma forte redução no IRC seria fundamental para aumentar a competitividade da economia. É verdade que o sucesso irlandês não se resume a uma taxa de IRC de 12,5%, como também é visível a crise que agora se sente, mas viu-se nesse país os efeitos que os baixos impostos têm na economia.
Por outro lado, não sei até que ponto a inexistência de uma taxa de IRC seria benéfica. Vamos então taxar os donos da empresa e não a empresa: então tais donos terão incentivo a retirar mais baixos montantes de lucros da empresa para si e retê-los na empresa, onde não existem impostos. Apenas usariam esses montantes quando precisassem. Corrija-me, caro Jorge Oliveira, se estou errado.
No que diz respeito a taxar-se os credores, boa parte deles não serão também empresas?

Cumprimentos e obrigado pela correcção.

1 de novembro de 2008 às 16:28  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Num mundo cada vez mais globalizado, é natural que os critérios de fiscalidade tendam a uniformizar-se, pelo menos para países próximos.

Veja-se o que se passa junto à fronteira com Espanha, onde a diferença de 5 pontos no IVA provoca a agitação que se sabe.

Julgo que os impostos tenderão a ter os mesmos valores (ou aproximados) dentro das mesmas comunidades económicas.
Assim, não me parece realista pensar que um país tenha uma determinada taxa de IRC e outro, ao lado, tenha zero - por muito lógico ou justo que tal possa ser ou parecer.

1 de novembro de 2008 às 16:37  
Blogger Jorge Oliveira said...

Arre, porra, que é demais. Bagão Félix nunca militou no PSD. Mas, para falar das opiniões de Bagão Félix, é forçoso pôr-lhe um carimbo partidário?

2 de novembro de 2008 às 21:50  
Blogger Jorge Oliveira said...

Ó caro Fernando Sosa : então V. acha que os donos das empresas deixavam o dinheiro a aboborar nas mesmas, só para não pagar impostos?

Os lucros ou são distribuidos (e quem os recebe paga imposto) ou são reinvestidos, criando mais riqueza. É isto que deve ser fomentado.

A anulação do IRC ajudava imenso. O dinheiro nas mãos dos empreendedores dá melhores resultados do que nas mãos dos burocratas do Estado.

Mas atenção : eu disse empreendedores, não disse banqueiros nem intermediários financeiros.

2 de novembro de 2008 às 22:00  
Blogger Vicente Pinto Vaz said...

Devo ser muito estúpido: confesso que não entendi nada do que disse o Sr. Jorge Oliveira. Não descortinei que o Sr. Antunes Ferreira tivesse dito que o Dr. Bagão Félix era do PSD; apenas disse «o centrista». As confusões - se consigo compreender o Sr. Oliveira - são dele próprio.

Quanto ao fundo do tema, estou de acordo com o que escreve (e muito bem) o Sr. Antunes Ferreira.
Portugal precisa de seguir em diante, com a participação do estado, dos trabalhadores, das PMEs e do patrontao, das centrais sindicais, em resumo de todos. Deixemo-nos de querelas estéreis e histéricas!

2 de novembro de 2008 às 22:05  
Blogger Jorge Oliveira said...

Este comentário foi removido pelo autor.

3 de novembro de 2008 às 06:33  
Blogger Jorge Oliveira said...

Caro Vicente Pinto Vaz :

É verdade que Antunes Ferreira não disse que Bagão Félix era do PSD, mas se ler as intervenções dos leitores com atenção, pode reparar que o meu primeiro comentário "Bagão Félix não é militante do PSD" surge logo a seguir ao comentário do leitor Fernando Sosa quando ele diz “Está para durar esta desorganização no PSD...”, uma expressão que implicitamente atribui a Bagão Félix uma ligação ao PSD, que não existe, nem existiu. Aliás, mais à frente o mesmo leitor confirma a ideia dizendo “É verdade que Bagão Félix já não milita no PSD”. Nunca militou. Nem mesmo no CDS.

Por sinal eu também penso, como Fernando Sosa, que a confusão no PSD está para durar, mas acho que não vale a pena aproveitar o Bagão Félix para ajudar à festa. A actual presidente do PSD arranja lenha para se queimar. Infelizmente, na minha opinião, porque não escondo o desejo de ver à frente do PSD alguém que seja capaz de afastar o aldrabão do Sócrates.

3 de novembro de 2008 às 07:02  

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