12.2.09

O Fim do casamento

Por Manuel João Ramos
I married myself
I'm very happy together

This time it's gonna last

(Sparks)

COMEÇO POR ESCLARECER que não sou católico, e que a minha profissão – a antropologia - é provavelmente aquela que mais estimula a compreensão das diferenças culturais e a adopção de posturas relativistas. E também esclareço que este esclarecimento não merece ser entendido como um refinamento da frase “Alguns dos meus melhores amigos até são gays, mas...”.
A minha apreensão em relação a toda a polémica em torno do chamado “casamento gay” deriva sobretudo do facto de parecer haver uma conspiração de silêncio colectiva em relação ao princípio da universalidade, basilar em qualquer edifício legislativo, que recomenda que se legisle o interesse particular em conformidade com o interesse geral e com outros interesses particulares.
Há treze anos, o ensaísta Charles Krauthammer escreveu um interessante artigo na revista Time, onde considerava juridicamente indefensável discriminar positivamente a união homossexual no momento de alargar as fronteiras conceptuais do casamento. Isto porque, lembrava ele, a consequência lógica da extensão do âmbito legal de forma a abarcar os interesses de casais homossexuais, em nome do direito à não discriminação de opções individuais ou culturais, em sociedades “multi” ou “pós” culturais, deveria ser a abolição dos princípios de monogamia e de proibição de incesto. (...)
Texto integral [aqui]

Etiquetas: , , , , ,

13 Comments:

Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Caro Manuel João Ramos,

O PS decidiu arvorar este tema em "Bandeira da esquerda do povo" (para usar a confusa expressão que se lê na imprensa) pouco tempo depois de ter dito - e bem - que o assunto era delicado e tinha de ser muito discutido.

Foram agora "desenrolar essa bandeira" porque acharam que, com ela, poderiam ganhar um 'deputadozito! à conta dos que votam no BE ou no PCP.

Além de pura ilusão (os votantes desses 2 partidos continuarão a votar neles), arriscam-se (e de que maneira!) a perder votos à direita - veja-se a movimentação da Igreja Católica e o que ela já anunciou.

Assim, e como essa gente defende o que as sondagens disserem que devem defender, a breve trecho enrolarão outra vez a bandeirinha se descobrirem que o balanço dos votos lhes é desfavorável.

O desespero face à possibilidade de perda da maioria absoluta leva a coisas dessas, como a proibição do voto por correspondência dos emigrantes - uma aberração, quanto mais não seja por alterar as regras a poucos meses das eleições.

12 de fevereiro de 2009 às 16:44  
Blogger AQUARIUS said...

Independentemente do oportunismo obvio que está subjacente à iniciativa política, o assunto merece ser discutido numa base ética e filosófica. E devo dizer que fiquei deslumbrado com a forma como o foi neste artigo - aliás acho que deve ser neste tipo de perspectiva que ele deve ser equacionado ( eventualmente em versões de divulgação mais acessíveis a todos ).

12 de fevereiro de 2009 às 21:31  
Blogger Ana said...

Muito bom!

13 de fevereiro de 2009 às 15:00  
Blogger F. Penim Redondo said...

O improvável aconteceu.
Por uma vez estou de acordo consigo.

17 de fevereiro de 2009 às 17:33  
Blogger Unknown said...

I don't want to belong to any club that will accept him as a member.
Natalinha

18 de fevereiro de 2009 às 01:15  
Blogger PreDatado said...

Pode ser interessante o pensamento de Charles Krauthammer mas por ser um fazedor de opinião e vencedor de um Pulitzer não tem forçosamente de ser uma autoridade respeitável em todos os campos onde intervem opinativamente. Mas ainda que a teoria que desenvolve fizesse sentido (e eu não me atrevo a dizer que não faz) a tentativa de misturar os timmings (nomeadamente em Portugal, pelos defensores dos seus pressupostos) é uma tentativa de não se discutir coisa nenhuma. Podemos ir por partes e por fases. Não acabou o racismo por se legislar contra e não se discutiram os temas todos ao mesmo tempo quando o grande debate era racismo.
Já agora um aparte que parece ter sido esquecido por Charles Krauthammer. Sendo Charles Krauthammer um conservador, não deveria ter passado por cima dos ensinamentos biblicos. Deus criou o homem e a mulher (este facto aliás é um dos paradigmas do casamento católico). Segundo a Bíblia, Adão e Eva. Que tiveram filhos e filhos de filhos e de irmãos e por aí fora. O incesto é inerente face à retórica(?) biblica.

19 de fevereiro de 2009 às 14:32  
Blogger Tiago Moreira Ramalho said...

Um texto excelente. Uma análise brilhante. Apenas a conclusão me parece errada.

Respondi-lhe aqui.

Cumprimentos,

Tiago Moreira Ramalho

22 de fevereiro de 2009 às 08:56  
Blogger Miguel Madeira said...

No caso da casamento heterossexual poligâmico, há uma razão que não seja legalizado: como (por razões biológico-evolutivas bem estudadas) de certeza que seriam mais frequentes os casamentos entre um homem e 5 mulheres do que o oposto, isso iria provocar um desequilíbrio demográfico entre homens e mulheres solteiras que poderia ser socialmente indesejável.

Portanto se o Krauthammer reconhece que o casamento heterossexual incestuoso é um caso à parte devido ao factor "filhos possivelmente deficientes", também terá que reconhecer que o casamento heterossexual poligâmico também é um caso à parte devido à razão que expus.

22 de fevereiro de 2009 às 13:47  
Blogger Unknown said...

Como de costume, fico bastante embaraçado ao ler os comentários aqui registados. Mas,na verdade, o meu embaraço é o resultado de uma ingenuidade mal gerida - e estou a falar de mim mesmo, obviamente. Vou tentar explicar-me, correndo o risco de, quando terminar a redacção deste texto, agravar o meu embaraço, ao lê-lo. Comecemos, no entanto, pelo princípio. Sabemos que este fenómeno da troca de informações através dos "blogues" tem uma tradição bem arreigada na burguesia não-abastada (e, por gentileza, evito outra designação menos efémica) que, num passado recente encontrava desenvolvimento generalizado nos célebres "Almanaques". Eram publicados anualmente e serviam para substituir leituras um pouco mais eruditas (e o melhor exemplo, próximo de nós, é a célebre série, que desconfio ainda existir, do "Readers Digest" - o nome diz tudo: literatura, ciência, arte, filosofia, etc. de maneira condensada, em pequenos resumos recheados de opiniões, em vez da própria leitura das obras: dizia-se que servia para as donas de casa, que não tinham disponibilidade ou grande robustez intelectual, granjearem quase gratuitamente instrução imediata), nesses almanaques, dizia, os leitores reportavam anedotas ou historietas, davam notícias da sua terra, defendiam ideias (políticas, religiosas ou simplesmente críticavam as ideias dos outros), contavam piadas, expunham enigmas e adivinas, tudo isto para presuntivo gáudio dos seus leitores. É verdade que poderemos considerar que uma parte desta tradição foi transferida, actualizando-se, para publicações como a "Crónica Feminina" ou, e aqueles que pertençem à minha geração lembram-se certamente, a "Maria". Não há assunto, por mais escabroso, que não fosse tratado no correio de leitores. En certos casos até nos questionávamos se o editor não deveria providenciar ajuda profissional (de um psiquiatra ou um assistente social) aos autores das cartas publicadas, partindo evidentemente do princípio de que os problemas reportados eram reais. Enfim, tudo isto para dizer que esta forma de troca de informações não é original e que corresponde a uma situação de comunicação específica, caracterizável em termos de contexto social e a sua correspondente mentalidade. Com a generalização do acesso à "ìnternet" seria sempre de esperar que o fenómeno também se viesse a manisfestar, mas agora com contornos aparentemente diversos. Os temas já não seriam "vulgares" (já sabemos como esta qualidade causa repugnância, sobretudo se conotada com os objectos da sua aplicação no feminino), os interlocutores manifestariam a sua "instrução" (e entenda-se /instrução/ como a capacidade de utilização de um vocabulário profissional ou próximo disso) e, por último mas não menos importante, os discursos denotariam um pensamento "inteligente" que estaria na sua origem. Penso que aquilo que justifica esta participação numa conversa algo artificial (pois,não é verdade que nunca encaramos o nosso interlocutor e não estamos com ele envolvido em qualquer interacção FORA da própria interlocução?) é, penso, simplesmente o sentimento de solidão (e, peço desculpa, mas não posso evitar de me referir ao tal extrato social que nos últimos cinquenta anos produziu sobretudo seres que sentem angústia quando se calam, porque não foram habituados a lidarem exactamente com a solidão e acabam por suportar-se a si próprios com grande dificuldade, - sabem como é: é-lhes inerente ao ser afirmarem a sua existência incomodando os outros incesantemente com opiniões sobre tudo o que lhes vem à cabeça, permanecendo convencidos de que uma conversa sobre um tema escabroso não é escabrosa pelo facto de ser "inteligente") - dizia, é esse sentimento de solidão que os leva a participarem nestas discussões (nas revistas, nos jornais, na televisão e, agora, na internet) convencidos, e, por aqui, matam-se dois coelhos de uma só cajadada, - convencidos de que a sua participação vai de algum modo acrescentar algo de útil ao debate. É neste elegante contexto que vejo surgir esta troca de ideias acerca do "casamento entre homossexuais". Mas, pergunto-me e tentando ultrapassar os planos da "cultura" ou, o que ainda é pior, da "Natureza" ou de algo ainda mais delirante, "as leis naturais" (sustentadas por teorias mais do que discutíveis de um ponto de vista científico, pois, alguém sabe o que é isso da “naturalidade”?...) - pergunto-me, pois, terá este "casamento" (diferente) de ser entre "homossexuais"? E se considerarmos a coisa, por exemplo, entre "fetichistas", "escatófilos" ou representantes de qualquer outro dos "desvios" freudianos? Qual é a diferença? Responder-se-á: não é disso que estamos a tratar. Estamos a tratar do casamento entre dois seres do mesmo sexo... do mesmo modo que o casamento entre mim e um livro, uma profissão, uma causa? Alguém tem o direito de pôr isso em causa? Não somos todos livres de nos "casarmos" com o que quisermos? E, depois, haverá alguma condição prévia para dois seres se casarem? Dever-se-à, de facto, perguntar aos "nubentes" que tipo de orientação sexual seguem? É um crime ser-se homossexual ou sado-masoquista ou hipertenso ou, até mesmo, ter-se tendências pedófilas? Não, o que é um crime, no último caso, é molestar outros seres, pondo em prática actos pedófilos... Posso ser mau e nunca ter morto ninguém! Alguém me vai condenar por isso? A questão não se pode colocar nesse plano. Isso seria um sério atentado à privacidade dos cidadãos. Aqui, o motivo do debate é o facto de aceitarmos ou não que a instituição “casamento” perca a sua definição originária – que tem, claro, um fundamento mítico – para se tornar num simples contrato. É isso que constitui a matéria deste debate. Porque, ao aceitarmos que esse fundamento cessou – o “mágico-simólico”, por assim dizer – porque razão, pergunto eu, manteremos a própria instituição? Ou quereremos fazer como alguns japoneses que se casam “catolicamente” (estou a falar na cerimónia formal, claro), não por motivos religiosos mas porque “é giro”! Assim, caro leitor, parece-me que todo o tom deste debate conduz a apreciações estéticas (no exacto plano do “kitsch” menos divertido, porque quase todos tomam muito a sério as suas opiniões) não concorrendo em nada para o esclarecimento das questões muito graves que deveria estar a levantar. Ó, diacho! Agravou-se a minha sensação de embaraço!

27 de fevereiro de 2009 às 20:05  
Blogger Miguel Carvalho said...

Este comentário foi removido pelo autor.

4 de março de 2009 às 01:44  
Blogger Miguel Carvalho said...

Eu sei que é um contra-argumento já muito gasto, mas aqui fica porque ainda não ouvi resposta para ele:

o que dizer então da oposição ao casamento inter-racial e inter-classes sociais? Ambos foram reprimidos/proibidos até há algumas décadas atrás.

Será que "a consequência lógica da extensão do âmbito legal de forma a abarcar os interesses" dos casais inter-raciais ou inter-classes "em nome do direito à não discriminação de opções individuais ou culturais, em sociedades “multi” ou “pós” culturais, deveria ser a abolição dos princípios de monogamia e de proibição de incesto"?

Também foram tipos de casamentos que puseram "em causa a concepção de que o casamento tradicional ocidental"!

8 de julho de 2009 às 16:39  
Blogger José Maria André said...

As três linhas iniciais

I married myself
I'm very happy together
This time it's gonna last


sintetizam bem a ideia de fundo: quando o Estado se mete a reconhecer o que pertence à esfera da vida particular, sem relevância social, violenta o princípio da não discriminação.
Para não discriminar teria que reconhecer todas as modalidades de vida particular e, ainda assim, discriminava!, por tratar da mesma forma o verdadeiro casamento, que tem uma relevância social completamente diferente.

P.S. para o Miguel Carvalho:
As anomalias que refere são apenas injustiças (há-as em todas as sociedades) que não afectam o conceito fundamental de casamento.
Também pode haver injustiça na exploração dos imigrantes que vivem entre nós, sem que isso afecte o conceito de democracia... é apenas uma injustiça.

31 de março de 2010 às 16:50  
Blogger MJR said...

https://www.facebook.com/ManuelJoaoRamos/posts/10154075928626038?notif_t=like

22 de julho de 2015 às 13:43  

Enviar um comentário

<< Home