23.12.10

Natal dos simples

Por João Paulo Guerra

SE OS POBRES tivessem um sindicato, uma associação, um lóbi, era o momento, em vésperas do Natal e com uma campanha eleitoral à vista, de exercerem toda a pressão sobre o poder. Como muito bem dizia Manuel António Pina, no JN de ontem, "pobres é o que está a dar". Calcule-se o que seria o Sindicato dos Pobres e Portugueses no Limiar da Pobreza a entregar pré-aviso de greve à figuração nas visitas de Natal e nas acções de campanha eleitoral? E a Federação Nacional dos Desempregados, em parceria com a Associação dos Despedidos Baratos, interporem providências cautelares contra as acções de caridade natalícia e as promessas do poder em geral?! Imagine-se a Sociedade dos Trabalhadores Precários a pendurar recibos verdes, perante as câmaras das televisões, nas árvores de Natal de São Bento e nos presépios de Belém? E a Comunidade dos Sem-Abrigo só aceitar agasalhos e refeições quentes para a consoada da miséria sem a presença de câmaras de televisão? Já vislumbraram a Confraria dos Endividados, Novos Pobres e Desgraçados Afins a desfilar com cartazes reclamando "Nem mais // um cêntimo // no sapatinho do BPN"? E a Intersindical dos Trabalhadores com Cortes Salariais e Pensionistas Congelados montar piquetes para cantar "janeiras" de protesto a cada passo das agendas dos governantes?

Chega-se a esta quadra do ano e a classe política defronta-se com um sério dilema: tem a austeridade mais brutal de sempre na calha mas o Natal, e próximas campanhas eleitorais, agendadas ou previsíveis, impõem algum calor humano, um simulacro de solidariedade, um vago assomo de compaixão. É muito duro. Já o velho Bertolt Brecht perguntava: "Governar só é assim tão difícil porque a exploração e a mentira são coisas que custam a aprender?"
«DE» de 23 Dez 10

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