Comparações
Por João Paulo Guerra
NÃO EMBARCO nas comparações, muito em voga entre a ‘intelligentsia’ situacionista das actuais modalidades de contestação social nas cantigas dos Deolinda ou dos Homens da Luta com as canções de José Afonso. As canções populares de José Afonso situam-se num plano de criação artística e de intervenção cultural que não tem qualquer paralelo e procurar os "novos Zecas" é tão forçado e precipitado como tentar encontrar as "novas Amálias".
O que é certo, porém, é que está muito em voga a contestação, o que não admira. A degradação da situação social, o disparo das desigualdades, a propagação da pobreza, a proliferação do desemprego e da precariedade estão a gerar fenómenos de contestação, de indignação e de protesto que não são nem serão apenas a produção de algumas cantigas de pé quebrado. A intelligentsia situacionista, ao fixar o protesto na origem social de uma "geração à rasca" e na onda musical de umas cantigas a martelo, está a tentar balizar a contestação. Uma contestação que até mesmo o poder possa considerar aceitável e, acima de tudo, inofensiva. Quando aqui há tempos uma canção incomodou mesmo, foi silenciada de um dia para o outro.
Mas como não admira o protesto, também não espanta que a contestação, em liberdade, seja de um padrão criativo e de uma bitola intelectual tão básica. É, como tudo o mais, um sinal dos tempos. E os tempos são de superficialidade. As actuais cantigas catalogadas de protesto estão para a contestação como o ‘fast food' está para a culinária. E estão para a intervenção cultural como o candidato Coelho, neste país das maravilhas, está para a intervenção política: folclore de festas académicas.
O que talvez queira simplesmente dizer que contestatários e alvos da contestação estão bem uns para os outros.
«DE» de 9 Mar 11NÃO EMBARCO nas comparações, muito em voga entre a ‘intelligentsia’ situacionista das actuais modalidades de contestação social nas cantigas dos Deolinda ou dos Homens da Luta com as canções de José Afonso. As canções populares de José Afonso situam-se num plano de criação artística e de intervenção cultural que não tem qualquer paralelo e procurar os "novos Zecas" é tão forçado e precipitado como tentar encontrar as "novas Amálias".
O que é certo, porém, é que está muito em voga a contestação, o que não admira. A degradação da situação social, o disparo das desigualdades, a propagação da pobreza, a proliferação do desemprego e da precariedade estão a gerar fenómenos de contestação, de indignação e de protesto que não são nem serão apenas a produção de algumas cantigas de pé quebrado. A intelligentsia situacionista, ao fixar o protesto na origem social de uma "geração à rasca" e na onda musical de umas cantigas a martelo, está a tentar balizar a contestação. Uma contestação que até mesmo o poder possa considerar aceitável e, acima de tudo, inofensiva. Quando aqui há tempos uma canção incomodou mesmo, foi silenciada de um dia para o outro.
Mas como não admira o protesto, também não espanta que a contestação, em liberdade, seja de um padrão criativo e de uma bitola intelectual tão básica. É, como tudo o mais, um sinal dos tempos. E os tempos são de superficialidade. As actuais cantigas catalogadas de protesto estão para a contestação como o ‘fast food' está para a culinária. E estão para a intervenção cultural como o candidato Coelho, neste país das maravilhas, está para a intervenção política: folclore de festas académicas.
O que talvez queira simplesmente dizer que contestatários e alvos da contestação estão bem uns para os outros.
Etiquetas: autor convidado, JPG
2 Comments:
Não concordo nada consigo. Nas últimas eleições houve cerca de 190.000 pessoas que se deram ao trabalho de ir às mesas de voto só para votarem em branco. o que os "à rasca" estão a fazer é isso mesmo: estão a votar em branco
Desta vez, concordo inteiramente com a opinião aqui expressa por JPGuerra.
Só por falta de critério ou de memória ou de sentido crítico se pode comparar canções da Deolinda, com as de Zeca Afonso, cujo conteúdo literário se situa nos antípodas do daquelas, cuja riqueza melódica, sumamente original, multímoda, com raízes tão profundas como distantes, que vão do folclore das Beiras, do Alentejo, aos ritmos africanos, o que as coloca num plano estético muito elevado, certamente difícil de igualar, nos tempos mais próximos.
Dizer isto, equivale a exercício de apreciação estética, tão racional quanto possível neste domínio particularmente sensível a influências do foro afectivo ou sentimental e nem sequer obriga a simpatia política ou comunhão ideológica com o extraordinário artista-autor, que foi o Zeca.
As letras das canções da Deolinda, nomeadamente esta mais publicitada «Parva que Sou» e deste grupo da Luta, que vai representar Portugal no Festival da Eurovisão, roçam a indigência e as músicas respectivas, de uns e outros, não ultrapassam a mediania, a vulgaridade.
Quer assemelhar isto às canções de Zeca Afonso, é falta de gosto e de senso crítico.
Felicito JPGuerra, pela oportuna crónica que aqui publicou.
Às vezes, é dever imperioso colocar a razão acima das simpatias políticas ou outras, sob pena de perda de credibilidade.
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