Agora em voz alta, por favor
Por Rui Tavares
TODA A GENTE fala deste corte como se já estivesse adotado, mas nenhum daqueles deputados é obrigado a votar este imposto extraordinário, sem ao menos impor condições.
Para começar claro, eu acho que se tivesse havido na campanha eleitoral um partido X que dissesse “este ano o Estado vai arrecadar todo o vosso subsídio de Natal para resolver os seus problemas de tesouraria e podermos voltar ao crescimento económico” — esse partido teria ganho as eleições.
“Imaginem”, pensaria o eleitor, “resolver todos os problemas de uma só penada, sacrificando o subsídio de Natal, mas depois ficar mais tranquilo em relação à possibilidade de desemprego ou falência, se tal coisa fosse possível” — mas tal coisa não é possível. Sabemos todos que metade do subsídio de Natal (ou o equivalente a esse subsídio para quem o não ganha) se destina a reunir meros 800 milhões de euros para tapar um buraco.
Reparem: o mesmo papel de tapa-buracos poderia ser cumprido pela venda de uma pequena parte das nossas reservas de ouro. Portugal tem cerca de 380 toneladas de ouro, reservas que estão no décimo quarto lugar mundial em termos absolutos e serão das maiores no mundo por comparação com o tamanho da economia. As nossas reservas valem, à cotação atual, cerca de 12,5 mil milhões de euros.
Mas a hegemonia do discurso do sacrifício é tão grande que se tivesse havido em Portugal um partido Y dizendo: vamos vender 24 toneladas de ouro para fazer 800 milhões de euros — esse partido teria perdido. E no entanto, o corte do subsídio de Natal tem efeitos sobre a economia (no pequeno comércio, no trabalho sazonal, etc.) que a venda de um quinze avos do nosso ouro não teria.
(Em ambos os casos, é claro, o encaixe de dinheiro ocorre só uma vez. Já a legalização e taxação da cannabis, com recolhas estimadas de 20 mil milhões de euros em toda a EU, talvez permitisse ao estado português um encaixe equivalente aos 800 milhões, repetido todos os anos. Mas Passos Coelho é só um daqueles liberais que acham que deve ser fácil despedir pessoas, e não um liberal-liberal disposto a legalizar drogas leves.)
Mas agora vamos à questão séria. Houve eleições há menos de um mês. Nenhum partido falou em cortar o subsídio de Natal. Esta medida não só é um roubo mas é também um maltrato violento à nossa democracia. Não haverá ninguém que a possa impedir?
Há — e aqui olho diretamente para os deputados da maioria. A democracia não funciona só nas eleições. Entre cada ato eleitoral a democracia passa por um Parlamento digno desse nome. Toda a gente fala deste corte como se já estivesse adotado, mas nenhum daqueles deputados é obrigado a votar este imposto extraordinário, sem ao menos impor condições.
Os deputados da maioria ainda recentemente desobedeceram às ordens que tinham para votar em Fernando Nobre como Presidente da Assembleia. Mas esse era um voto secreto, e portanto era fácil ser corajoso.
E agora onde estão deputados com peso específico dispostos a erguer-se contra esta medida, nem que seja condicionalmente? Porque não diz o próprio Fernando Nobre “eu não voto isto enquanto não me mostrarem um plano de luta contra a pobreza”? Porque não diz Carlos Abreu Amorim, deputado e cronista independente, “eu não voto isto enquanto não adotarem as medidas anti-corrupção propostas por João Cravinho”? E porque não haverá ao menos um que diga: “eu não voto isto porque não estava no programa com que fui eleito”?
Será que é por não ser um voto secreto? Balelas. Sois representantes do povo e não do vosso chefe. Agi como tal.
In RuiTavares.netTODA A GENTE fala deste corte como se já estivesse adotado, mas nenhum daqueles deputados é obrigado a votar este imposto extraordinário, sem ao menos impor condições.
Para começar claro, eu acho que se tivesse havido na campanha eleitoral um partido X que dissesse “este ano o Estado vai arrecadar todo o vosso subsídio de Natal para resolver os seus problemas de tesouraria e podermos voltar ao crescimento económico” — esse partido teria ganho as eleições.
“Imaginem”, pensaria o eleitor, “resolver todos os problemas de uma só penada, sacrificando o subsídio de Natal, mas depois ficar mais tranquilo em relação à possibilidade de desemprego ou falência, se tal coisa fosse possível” — mas tal coisa não é possível. Sabemos todos que metade do subsídio de Natal (ou o equivalente a esse subsídio para quem o não ganha) se destina a reunir meros 800 milhões de euros para tapar um buraco.
Reparem: o mesmo papel de tapa-buracos poderia ser cumprido pela venda de uma pequena parte das nossas reservas de ouro. Portugal tem cerca de 380 toneladas de ouro, reservas que estão no décimo quarto lugar mundial em termos absolutos e serão das maiores no mundo por comparação com o tamanho da economia. As nossas reservas valem, à cotação atual, cerca de 12,5 mil milhões de euros.
Mas a hegemonia do discurso do sacrifício é tão grande que se tivesse havido em Portugal um partido Y dizendo: vamos vender 24 toneladas de ouro para fazer 800 milhões de euros — esse partido teria perdido. E no entanto, o corte do subsídio de Natal tem efeitos sobre a economia (no pequeno comércio, no trabalho sazonal, etc.) que a venda de um quinze avos do nosso ouro não teria.
(Em ambos os casos, é claro, o encaixe de dinheiro ocorre só uma vez. Já a legalização e taxação da cannabis, com recolhas estimadas de 20 mil milhões de euros em toda a EU, talvez permitisse ao estado português um encaixe equivalente aos 800 milhões, repetido todos os anos. Mas Passos Coelho é só um daqueles liberais que acham que deve ser fácil despedir pessoas, e não um liberal-liberal disposto a legalizar drogas leves.)
Mas agora vamos à questão séria. Houve eleições há menos de um mês. Nenhum partido falou em cortar o subsídio de Natal. Esta medida não só é um roubo mas é também um maltrato violento à nossa democracia. Não haverá ninguém que a possa impedir?
Há — e aqui olho diretamente para os deputados da maioria. A democracia não funciona só nas eleições. Entre cada ato eleitoral a democracia passa por um Parlamento digno desse nome. Toda a gente fala deste corte como se já estivesse adotado, mas nenhum daqueles deputados é obrigado a votar este imposto extraordinário, sem ao menos impor condições.
Os deputados da maioria ainda recentemente desobedeceram às ordens que tinham para votar em Fernando Nobre como Presidente da Assembleia. Mas esse era um voto secreto, e portanto era fácil ser corajoso.
E agora onde estão deputados com peso específico dispostos a erguer-se contra esta medida, nem que seja condicionalmente? Porque não diz o próprio Fernando Nobre “eu não voto isto enquanto não me mostrarem um plano de luta contra a pobreza”? Porque não diz Carlos Abreu Amorim, deputado e cronista independente, “eu não voto isto enquanto não adotarem as medidas anti-corrupção propostas por João Cravinho”? E porque não haverá ao menos um que diga: “eu não voto isto porque não estava no programa com que fui eleito”?
Será que é por não ser um voto secreto? Balelas. Sois representantes do povo e não do vosso chefe. Agi como tal.
Etiquetas: autor convidado, RT
5 Comments:
Quando este texto foi escrito ainda Fernando Nobre era deputado...
Quando este texto foi escrito ainda não havia - não há - a obrigação de se escrever em brasoguês, com excepção dos documentos oficiais.
Sim, eu sei que sou chata, já me constou.
Não, ainda não foi desta que me fui embora.
Estava aqui a pensar que andamos nós preocupados com a iliteracia dominante e esquecemo-nos que a mesma está agora oficializada, aceite e defendida.
Pois! :(
"os deputados da maioria"
e das "minorias":
Quantos deputados, puseram alguma vez em dúvida, os excessos das auto estradas do regime?
Que deputado, pos alguma vez em dúvida, a estupidez do projecto da Ota?
Ou dos 25 mil passageiros (por dia) da linha TGV entre Lisboa e Madrid?
No presente... da Fundaçao Mário Soares ou do Museu Berardo?
Caro Bmonteiro:
Importa-se que assine por baixo o seu comentário?
Ainda acrescentava mais umas coisas, mas o que referiu já é suficientemente representativo.
Permitam-me só uma dúvida: Rui Tavares, lá no alto cargo que desempenha, na nossa tão amiga Europa, ainda representa agora os mesmos valores ou ideias de quando (há não muito tempo) se candidatou (e foi eleito)? É que isto de representatividade, tem que se lhe diga...
De tal forma que já me interrogo: os deputados representam(-nos) ou representam-se?
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